“O parentesco socioafetivo é a união erigida no cotidiano da vida familiar, ainda que não haja relação sanguínea ou jurídica entre os envolvidos. Por prescindir de laços genéticos, o parentesco socioafetivo pode ser classificado como uma modalidade de parentesco civil[1].
[14] Acerca da possession d’etat, cf. M. L. Engelhard-Grosjean, The French Law of Filiation, in Louisiana Law Review, 37 (1977), pp. 702-703.
Sendo um fato construído socialmente, além de uma relação proveniente da convivência, a posse do estado de filho não se estabelece de pronto, pressupondo necessariamente uma certa continuidade. Ou seja, para que se configure, é imprescindível que a relação tenha adquirido estabilidade, decorrente da reiteração comportamental ao longo do tempo.
A posse do estado de filho, como a terminologia sugere, pode ser definida como uma situação de fato que contempla todos os aspectos extrínsecos da filiação, ou seja, todas as características que emanam dessa condição, apesar de carecer do mesmo fundamento de direito, ou seja, o vínculo civil ou sanguíneo de parentesco. Trata-se, portanto, de um fato psicossocial, que se estabelece pelo comportamento adotado tanto entre os próprios indivíduos quanto perante a sociedade.
Em outras palavras, de forma ideal, a afetividade deveria permear o vínculo parental nos dois polos da relação. Na relação filial, a afetividade deveria ser tanto do pai em relação ao filho, quanto do filho em relação ao pai. Porém, é uníssono, na doutrina e na jurisprudência, que a afetividade não precisa ser reflexiva, basta que seja unilateral.
[7] O texto do art. 1.593 da atual codificação, portanto, permite resguardar a paternidade socioafetiva, crê-se. Não será válido argumentar com a ausência de intenção do legislador. A lei estabelece sua ordem, despregada da vontade de quem a instituiu, conforme ensina F. C. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, t. 1. Prefácio, p. 13.
Em que pese a constituição do vínculo de socioafetividade não depender da bilateralidade do afeto, uma vez consolidada, a parentalidade gerará efeitos correspectivos, assim como ocorre no parentesco biológico.”
[12] Essa tradição ainda ressoa nos atuais artigos 311-1 e 311-2 do Code civil francês, que estabelecem os fatos que devem ser levados em consideração para o reconhecimento da posse do estado de filiação.
A possibilidade do reconhecimento legal da paternidade socioafetiva tem respaldo na própria dicção do Código Civil hodierno. Este, no art. 1.593, como já visto, determina que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Esta hipótese (“outra origem”) não constava no Código Civil de 1916, sob a égide do qual vigorava a exclusividade do matrimônio na constituição da família. A expressão empregada no novo diploma é genérica justamente de modo a contemplar as diversas hipóteses de configuração familiar, atendendo assim aos preceitos constitucionais supracitados[7].
Conclui-se, portanto, que a posse do estado de filho decorre do exercício contínuo e notório dos direitos e deveres inerentes à relação de parentesco, apesar de esta inexistir aprioristicamente.
Atualmente, portanto, à luz da Constituição Federal de 1988, o parentesco adquiriu um aspecto socioafetivo, que possibilita a proteção jurídica de uma situação de fato sociológica[9]. A doutrina, nesse sentido, no mister de erigir critérios para a identificação da socioafetividade, recorre à noção de posse de estado, aplicando seus preceitos à situação filiação. Daí afirmar-se que a filiação socioafetiva funda-se na posse do estado de filho[10].
A base dessa união remete, portanto, à criação e à convivência diuturna, ou seja, uma situação de fato que atrai a proteção do sistema jurídico, na medida em que envolve uma série de direitos constitucionalmente assegurados.
São indícios dessa visibilidade o fato de o sujeito utilizar o sobrenome do pai (nomen), de ser tratado, criado, educado e apresentado como filho, pelo pai, à sociedade (tractatus)[16], e de ser, de fato, enxergado pela opinião pública como filho (fama)[17].
[9] Orienta o Enunciado nº 6 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), “Do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental”.
É bom que se diga que, a despeito de existirem teses no sentido contrário, a afetividade não é mais importante, mas também não é menos importante do que a relação consanguínea. O ideal seria que o vínculo consanguíneo gozasse sempre de afetividade, mas sendo as relações distintas, ambas têm o mesmo status jurídico.
[16] STJ, 4ª T., REsp nº 119.346/GO, rel. Barros Monteiro, j. 1-4-2003: “Filiação. Anulação ou reforma de registro. Filhos havidos antes do casamento, registrados pelo pai como se fossem de sua mulher. Situação de fato consolidada há mais de quarenta anos, com o assentimento tácito do cônjuge falecido, que sempre os tratou como filhos, e dos irmãos. Fundamento de fato constante do acórdão, suficiente, por si só, a justificar a manutenção do julgado. Acórdão que, a par de reputar existente no caso uma “adoção simulada”, reporta-se à situação de fato ocorrente na família e na sociedade, consolidada há mais de quarenta anos. Status de filhos. Fundamento de fato, por si só suficiente, a justificar a manutenção do julgado. Recurso especial não conhecido”.
A posse de estado de filho, repise-se, não foi acolhida em lei de forma expressa, mas a doutrina lhe assinala três elementos, para aferir sua existência, a serem investigados no caso concreto.”
O princípio da afetividade, que constitui o núcleo da ideia de parentesco socioafetivo, de fato, assenta-se sobre quatro principais fundamentos constitucionais[2]:
[5] Art. 226, § 4º, da CF/1988: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
“A posse do estado de filho revela a constância social da relação entre pais e filhos, caracterizando uma paternidade que existe, não pelo simples fato biológico ou por força de presunção legal, mas em decorrência de elementos que somente estão presentes, frutos de uma convivência afetiva” (BOEIRA, 1999, p.54).
O reconhecimento voluntário é o meio legal colocado à disposição dos pais para que possam reconhecer os filhos. ... Ademais é importante salientar que o reconhecimento voluntário trata-se na realidade, uma confissão voluntária, da mãe ou do pai, na qual declara ser seu filho, determinada pessoa.
6 glória, galardão, prêmio, recompensa. Reconhecimento de um filho: 7 perfilhamento, perfilhação.
[Jurídico] Ato pelo qual se admite a existência de uma obrigação: reconhecimento de dívida. [Política] Ato pelo qual se reconhece um governo legalmente constituído.
O ATO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE É constitutivo de estado porque é dele que decorre a paternidade, ou seja, é através dele que o homem investe-se juridicamente da condição de pai, inserindo também no estado do filho os seus parentes (avós, tios, etc.).
Como é feita? A mãe ou o filho maior de 18 anos que não tiver o nome do pai em sua certidão deve ir a qualquer cartório de registro civil do país e apontar o suposto pai. Para isso, precisa ter em mãos a certidão de nascimento do filho a ser reconhecido e preencher um formulário padronizado.
Podendo ser feito o reconhecimento de paternidade de três modos distintos: a) no próprio termo de nascimento; b) por escritura pública; c) por testamento, como descreve no art. 26 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O ato é oficializado mediante o comparecimento do pai (maior de 16 anos), munido de seus documentos pessoais (RG e CPF) e da certidão de nascimento do filho para requisitar a Escritura Pública de Reconhecimento de Paternidade. ... O reconhecimento de filho é ato irrevogável que independe de homologação judicial.
O reconhecimento de paternidade pode ser feito por escritura pública. É o ato pelo qual o pai reconhece que determinada pessoa é seu filho biológico. Preencha o formulário com os dados pessoais.
Para reconhecer um filho por escritura pública é necessário o comparecimento pessoal do pai (que deve ser maior de 16 anos) no Cartório de Notas, portando os seus documentos pessoais (RG e CPF originais) e cópia da certidão de nascimento do filho.
Vocês (seu pai, sua mãe e sua pessoa) poderão com RG e CPF comparecer a Cartório e fazer a escritura de reconhecimento de paternidade. Já com a certidão de nascimento com o nome de seu pai, então você através de um advogado fará o Suprimento (Retificação) do nome de seu pai (Lei 6015 - art. 109 e seguintes).
Para isso, basta preencher um termo com informações pessoais, do filho e do suposto pai, conforme modelo definido pela Corregedoria Nacional, além de apresentar a certidão de nascimento da criança ou do adolescente.
POSSO INCLUIR O SOBRENOME DO PAI? Sim, a inclusão do sobrenome paterno após registro de nascimento é totalmente possível. No entanto, é necessário a contratação de um advogado especializado em Registros Cíveis para elaborar um processo denominado Retificação de Registro Civil para a Inclusão do Sobrenome do pai.
Costumeiramente, coloca-se no sobrenome do filho o último sobrenome da mãe e o último sobrenome do pai, ou às vezes só o sobrenome do pai. No entanto, a Lei de Registros Públicos não traz nenhuma obrigatoriedade neste sentido, sendo somente um costume.
A inclusão do sobrenome paterno geralmente se dá pela aquisição do nome pelo registro de nascimento, em que o nome, inicialmente, é dado por ocasião do nascimento da pessoa.