Em uma fotografia de 1942, a pequena Eva Wilma sorri para a câmera, enquanto se equilibra sobre a ponta dos pés, vestida de bailarina. Sobre a imagem, a garota, então aos nove anos, escreveu para si mesma: “Esperando ser brilhante minha carreira, deixo aqui uma recordação do início desta”.
Porque essa era uma marca do trabalho de Eva: a excelência. E a entrega de uma personalidade própria aos papéis, que sempre ganhavam uma fisicalidade muito específica quando desempenhados pela atriz. É impossível comparar, por exemplo, suas gêmeas Ruth e Raquel, de “Mulheres de Areia”, com as interpretadas (também magistralmente) por Gloria Pires no remake de 1992. Vivida por Eva, qualquer personagem ganhava uma singularidade que a colocava fora do âmbito de qualquer tipo de cotejo.
Mas a estreia como atriz não demorou. Em 1952, aos 19, começou no teatro com “Uma Mulher e Três Palhaços” ao lado de seu futuro marido, o ator John Herbert, morto há dez anos. No ano seguinte, fez seu primeiro filme, a comédia “Uma Pulga na Balança”, dirigida pelo italiano Luciano Salce.
Entre 1973 e 1976, fez três novelas na Tupi que ganhariam remakes muito bem-sucedidos na Globo: “Mulheres de Areia”, “A Barba Azul” (que viraria “A Gata Comeu”) e “A Viagem”. Se os produtores viram possibilidade de êxito em refilmagens, não há de ter sido apenas pela qualidade das intrigas de Ivani Ribeiro: a presença de Eva certamente deve ter ajudado a convencê-los sobre o quanto aquelas tramas poderiam render produtos com excelência artística.
Concebido por Cassiano Gabus Mendes como uma resposta brasileira à série americana "I Love Lucy", “Alô, Doçura” foi exibido pela Tupi até 1964. Não havia personagens fixos, mas Eva Wilma e John Herbert —com quem a atriz se casou em 1955— sempre interpretavam um casal que enfrentava alguma rusga conjugal. Com episódios de apenas 15 minutos de duração, o programa marcou época, e foi um precursor do que hoje chamamos de sitcom.
Melhor para a gente que não tenha ido a Hollywood, já que pudemos conferir seu trabalho com assiduidade na TV e no teatro. No cinema, apareceu menos, mas quem precisa fazer muitos filmes quando se tem no currículo um longa como “São Paulo S.A.”, de 1965? Além de ser lembrada para sempre pelo seu talento descomunal, Eva também entrou para a história da arte brasileira por protagonizar um de nossos maiores filmes.
Não fosse pela proibição dos pais, Eva Wilma teria iniciado sua carreira no "Holiday on Ice", o espetáculo de patinação artística que excursionava sem parar pelo mundo afora. Aos 14 anos de idade, ela já era bailarina clássica, e sua desenvoltura a mantinha firme mesmo sobre uma superfície de gelo.
Mas a voz e a eloquência para articular palavras também eram muito marcantes em Eva Wilma. No comecinho da carreira, a atriz se achava (com certa razão) “esganiçada” e trabalhou duro para modular melhor sua forma de falar. Conseguiu resultados mais do que satisfatórios: iria se tornar uma das nossas atrizes com a melhor capacidade de locução —era sempre um prazer ouvir a atriz falando, fosse um texto decorado ou alguma história pessoal. Sua voz trazia algo de reconfortante, acolhedor.
É muito provável que, na memória coletiva, ela seja para sempre lembrada como a vilã Altiva, da novela “A Indomada”, de 1997. E não há de ser exatamente uma lembrança injusta: de fato, a megera de Greenville foi uma das personagens mais impactantes da vasta galeria dessa enorme atriz brasileira.
Filha de um alemão católico e de uma argentina judia de ascendência russa, Eva Wilma Riefle Buckup Zarattini morreu na mesma cidade onde nasceu. O velório e o enterro da atriz, reservados à família, acontecem na tarde deste domingo (16), em São Paulo.
A profecia se concretizou, ainda que pela metade —Eva pode não ter se tornado uma grande bailarina clássica, mas de fato construiu uma carreira “brilhante” no campo artístico que o destino lhe reservou: a atuação. Foi uma das nossas melhores e mais celebradas atrizes.
A derrocada do canal, em 1980, fez com que ela finalmente se transferisse para a Globo. Já madura, Eva Wilma escapou de interpretar mocinhas na nova casa. Em compensação, ganhou inúmeros personagens marcantes, como as aristocráticas vilãs Francisca Moura Imperial, de "Transas e Caretas", em 1984, e Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque, de "A Indomada", em 1997, ou a doutora Marta Corrêa Lopes, do seriado “Mulher”, de 1998.
Mesmo diante do crescimento irresistível da Globo, a mais antiga emissora do país emplacou vários folhetins de sucesso naquele período. Quase todos eram escritos por Ivani Ribeiro e protagonizados por Eva Wilma, como "A Viagem", "A Barba Azul" ou "Mulheres de Areia". Nesta última, a atriz teve seu papel mais icônico —ou papéis, as gêmeas Ruth e Raquel, uma boa e a outra, má. Foi também na Tupi que ela conheceu seu segundo marido, o ator Carlos Zara, morto em 2002.
Um pouco como a Hilda de “Pedra sobre Pedra” (1992), a Teresa de “Pátria Minha” (1994) ou a Marietta de “O Rei do Gado” (1996). Ou, mais ainda, como a doutora Marta, do seriado “Mulher”, de 1998, personagem-súmula do significado de Eva enquanto atriz no imaginário do brasileiro: o de uma mulher doce, ponderada, humana.
Nas décadas de 1950 e 1960, Eva Wilma também participou de alguns episódios do “Grande Teatro Tupi” e de várias montagens do Teatro de Arena. Seu filme mais importante do período foi “São Paulo S.A.”, de Luís Sérgio Person, lançado em 1965. Mas, em 1969, um teste em Hollywood quase mudou o rumo de sua carreira.
“O meu consolo é que 'Topázio' não foi um dos bons filmes do Hitchcock. Eu assisti e dizia para mim mesma 'esse papel não era para mim'”, disse ela em entrevista ao programa Conversa com Bial, em agosto do ano passado. “Mas era para me conformar mesmo, pois eu queria ter feito.”
Nos últimos tempos, Eva Wilma se fez rara na TV. Em sua última novela completa, "Verdades Secretas", de 2015, teve um papel relativamente pequeno, porém marcante. Era Fábia, uma grã-fina arruinada, entregue ao alcoolismo. Desde então, participou de alguns capítulos de “O Tempo Não Para”, em 2018 e 2019, e de um episódio da minissérie “Os Experientes”, de 2019. Há pouco, foi vista na reprise de “Fina Estampa”, novela produzida há dez anos.
Em “Roda de Fogo”, de 1986, ela viveu Maura Garcez uma presa e exilada política da ditadura. Na vida real, Eva Wilma foi uma voz contra o regime e aparece em famosa fotografia com as outras atrizes Eva Todor, Tônia Carrero, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell à frente de manifestantes na marcha dos cem mil, de 1968, contra a censura da ditadura.
Em paralelo, jamais se afastou dos palcos, participando de espetáculos tão diversos como “Antígona”, em 1976, “Esperando Godot”, em 1977, “Pato com Laranja”, em 1980, e “Querida Mamãe”, de 1994 a 1996.
Aliás, Eva era chamada pelos mais próximos de Vivinha, e foi o avô da atriz quem pela primeira vez a chamou por essa alcunha, referindo-se justamente à vivacidade da garota. Certamente ele reparou nos olhos da menina —grandes, atentos, sempre muito comunicativos. E que seriam, aliás, seus dois maiores aliados na arte de interpretar: falavam quase tanto quanto sua boca.