A tuberculose circula há séculos entre nós. Causada por uma micobactéria altamente contagiosa, a doença tem tratamento e vacina, e mesmo assim mata mais de um milhão de pessoas por ano. Muito mais jovem, a COVID-19 está em um momento oposto. Com vacina recente e sem tratamento, a infecção causada por um vírus ainda paralisa o mundo –com cerca de dois milhões de óbitos em um ano. Uma pesquisa desenvolvida por meio de parceria entre a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a UFRJ busca compreender a relação entre as doenças nos Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e Áfica do Sul.
A professora conta que dados levantados durante a pandemia da gripe, em 1918, mostram um aumento no número de mortes por tuberculose no período. Mesmo que não houvesse tratamento eficaz para a doença na década de 1910, as estatísticas indicam uma potencialização da infecção.
- COCHRANE LIBRARY: “coronavirus” in Title Abstract Keyword OR “Covid 19” in Title Abstract Keyword AND “tuberculosis” in Title Abstract Keyword = 07 resultados (Cochrane Reviews)
A questão de pesquisa foi elaborada por meio da estratégia PCC, sendo que os elementos do mnemônico P (população), C (conceito) e C (contexto) foram: TB e COVID-19, pandemia da COVID-19 e impacto no controle e na atenção à TB, respectivamente. Sendo assim, o presente estudo foi norteado pela seguinte questão: Quais são as evidências científicas que dizem respeito ao impacto da pandemia de COVID-19 no controle e na reorganização da atenção à TB?
No Brasil, não será alcançada a meta da Estratégia Fim da TB, de serem reduzidas em 95% a mortalidade por TB e em 90% sua incidência, no período de 2015 a 2035. De fato, publicação do Ministério da Saúde sobre dados de TB, em 2019, revela aumento de incidência desse agravo no país. Se tomarmos como exemplo os dois estados que mais contribuem com a endemia no Brasil, pois apresentam as maiores taxas de incidência de TB - o Amazonas e o Rio de Janeiro -, e olharmos o crescimento do diagnóstico, observaremos que, no Amazonas, onde o diagnóstico aumentou de 68,3%, na publicação de 2018, para 72,4%, na publicação de 2019, a incidência diminuiu de 74,1 para 72,9 casos/100 mil habitantes. No Rio de Janeiro, onde o percentual de diagnóstico não se alterou (61,7% em ambos os anos), a incidência aumentou de 63,5 para 66,3 casos/100 mil hab.2,3
A Covid-19, detectada pela primeira vez em Wuhan, China, em dezembro de 2019, pode causar pneumonia viral, cujas complicações podem levar ao óbito. A convergência das duas doenças - TB e Covid-19 - parece sinalizar para um cenário pessimista. Ainda que alguns avanços tenham sido implementados, como o teste rápido, a dose fixa combinada, o comprimido de 300mg de isoniazida, entre outros, estes foram insuficientes para se avançar no controle da TB. Ademais, a TB é doença negligenciada, com pouco estímulo ao investimento da indústria e do governo na descoberta de novos fármacos ou novos métodos diagnósticos, e agora, diante da pandemia, cobrará pesada conta.
Muitos são os desafios impostos pela pandemia na COVID-19, particularmente no que diz respeito à manutenção das ações de controle da tuberculose. Espera-se que esta revisão contribua para embasar novos estudos e para a implementação de políticas públicas orientadas ao enfrentamento de ambas as enfermidades.
Os fatores de risco associados à Covid-19 exigem ainda esclarecimentos. Todavia, é plausível que a infecção por M. tuberculosis (MTB), o patógeno que causa TB e infecta latentemente cerca de 25% da população global, pode ser um fator de risco para infecção por SARS-CoV-2 e pneumonia grave por Covid-19, conforme sugeriu estudo realizado na China. Nesse estudo de casos e controles, a infecção por MTB foi mais comum do que outras comorbidades (36%, : diabetes, 25%; hipertensão, 22%; doença coronariana, 8%; e DPOC, 5%). Ao se comparar o estado de infecção por MTB entre casos de pneumonia por Covid-19 com gravidade leve/moderada e severa/crítica, a coinfecção por MTB mostrou-se menor no primeiro grupo (22%) em comparação com o segundo (78%), com diferença estatística entre eles (p=0,005). Estes achados, ainda preliminares, apontam para a necessidade de se avaliar se a infecção por MTB é fator de risco para a Covid-19 e se existe uma relação de causalidade.4
“Os poucos estudos sobre essa associação tuberculose/COVID são contraditórios, e poucas observações foram feitas. Esperamos contribuir para o avanço do conhecimento sobre a interação entre essas duas doenças em nosso projeto.”
Primeiro relatório sobre o tema pede mais pesquisas e investimentos; agentes patogênicos bacterianos resistentes a antimicrobianos podem ser combatidos com novas imunizações, segundo a agência que aposta em melhor uso pelos países de vacinas que já existem.
Um estudo que buscou analisar duas realidades distintas, no Reino Unido e na África, demonstrou o impacto negativo da pandemia da COVID-19 em relação às ações de TB, visto que foi necessário priorizar ações voltadas para a primeira e não para a prevenção da TB. Além disto, destacou que a diminuição da circulação das pessoas com TB nos serviços de saúde pode comprometer o vínculo estabelecido e, consequentemente, a adesão ao tratamento. Problematizar aspectos da interação entre ambas as enfermidades possibilita o fundamental aprendizado entre comunidades, profissionais de saúde e formuladores de políticas, assinalando-se o necessário reconhecimento da relação entre muitas doenças infecciosas e as iniquidades sociais2. Por outro lado, além do reconhecimento dessa associação, requer-se o reconhecimento das necessárias mudanças estruturais nas sociedades, de forma a conduzir os grupos sociais à igualdade no acesso aos bens que proporcionam a dignidade para a condução da vida.
“No Brasil, houve uma redução de 40% do número de testes para tuberculose realizados até maio de 2020. Na sequência, houve uma recuperação parcial, mas a redução da detecção da doença permanece uma preocupação aqui e no mundo”, conta Trajman.
Tendo isso em vista, o projeto decidiu buscar parcerias com os países para tentar compreender como a tuberculose e a COVID se relacionavam em suas nações. Foi necessário o levantamento de dados disponíveis nos diversos sistemas de informação para compreender as interações entre as duas doenças e o efeito das medidas de distanciamento social nos indicadores de tuberculose.
La pandemia de COVID-19 tuvo impacto en el control de la tuberculosis y los principales desafíos derivados están relacionados con la influencia del distanciamiento social en el diagnóstico, seguimiento y adherencia al tratamiento, lo que incluye la reorganización de los servicios de TB, principalmente como resultado del necesario traslado de los equipos de salud que actuaban en el área hacia la atención a la COVID-19. También se registraron limitaciones de acceso a insumos y servicios de salud, lo que ocurrió de igual modo con relación a otros problemas de salud y dejó en evidencia la vulnerabilidad programática. Además, se observan efectos de la pandemia en la dimensión social, lo que contribuye al aumento de la vulnerabilidad social.
Não são apenas os efeitos físicos da infecção pelo coronavírus que podem ter prejudicado o acompanhamento dos indivíduos infectados por tuberculose no mundo, mas também as imposições sociais necessárias durante o isolamento. Com a restrição ou ausência de transporte público e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, parte da população mais vulnerável – e historicamente mais atingida pela tuberculose – teve dificuldade de diagnóstico e tratamento. Além disso, os profissionais de saúde foram acometidos pela pandemia, e muitos adoeceram gravemente ou faleceram. Outros foram realocados para atendimentos da COVID-19, reduzindo a força de trabalho disponível para as demais condições de saúde.
“Pacientes que chegam aos ambulatórios com tosse e febre devem ser investigados para ambas as condições, e há máquinas que fazem PCR para os dois agentes etiológicos – por enquanto elas são usadas no SUS apenas para diagnóstico da tuberculose, mas, se tivéssemos o kit para Sars-CoV-2, poderíamos utilizá-los nessas mesmas máquinas”, conta.