O artigo analisa a história da historiografia brasileira, segundo a perspectiva de José Honório Rodrigues (1913-1987), como parte dos esforços que na década de 1930 começaram a investir nos aspectos profissionais da História como disciplina no Brasil - enfatizando, por exemplo, a função central da metodologia histórica como diferencial frente às escritas amadoras. Uma das principais contribuições de Rodrigues consistiu na organização e periodização de uma história para a pesquisa histórica brasileira. Ao construir essa narrativa histórica, ele organizou um passado, mas também indicou um futuro possível para aquilo que idealizava como um campo profissionalizado. Seu projeto de um Instituto de Pesquisa Histórica, que asseguraria a formação teórica e metodológica adequada aos jovens historiadores brasileiros, faria a escrita histórica se afastar das visões mais conservadoras e tradicionalistas e desvendar os verdadeiros caminhos para uma revolução no processo histórico nacional.
Assim, que a tarefa da Historiografia seja mais ampla do que narrar ou legitimar uma história da História, manter ou adorar cânones sagrados e consagrados, reiterar panteões. Que não se cinja tampouco a uma atitude iconoclasta diante das tradições. Como parte da sua contribuição à formação histórica do gênero humano, seria desejável que seu compromisso fosse mais voltado ao investimento de tornar inteligíveis aos homens as suas formas de compreensão (históricas e historicizáveis) do passado. Dito de outra forma: caberia à Historiografia o compromisso de manutenção da visão histórica ou do pensar historicamente. Antes de tudo, acerca de seus próprios caminhos.
À luz destas considerações, pode-se indagar sobre um sentido e algumas possibilidades da história da historiografia no Brasil. É claro que os esforços de Rodrigues foram importantes e, para um conjunto bastante relevante de historiadores, permanecem como referência fundamental e pioneira para o que hoje se estabelece como um campo de pesquisas.
em Casa-grande e senzala pode-se ter uma síntese e mesmo uma análise das influências negras e índias. Não pode haver dúvida de que Capistrano errava quando dizia referindo-se aos tupinambás: "Assim representavam o termo de evolução a que os portugueses e africanos tendiam a cada progresso que fazia a aclimação das raças vindicas, era um passo que os aproximava dos caboclos". (ibidem, p.62-63, grifo meu)
Rodrigues, portanto, permite que se enseje a dimensão de um projeto que guia seu intento de "pôr em contato os jovens estudantes com seus predecessores, revelar as direções principais, como seu método para ensinar a história e de, tanto quanto possível, ensinar a escrever história" (Rodrigues, "Apêndice", em THB, 1978, p.455, grifo meu). Para compreender as relações entre história e historiadores do e no Brasil, teria se preocupado em definir uma história para essa 'historiografia'.
Na esteira de Manoel S. Guimarães (2005, p.34-35), pode-se crer que tal investimento conduzia, na parte final de PHB, para a proposta de criação de um "Instituto de Pesquisa Histórica", que coroaria a evolução proposta, em sua leitura, para a tradição historiográfica brasileira. Acrescento que tal instituto também materializaria, literalmente, a construção daquela mansão que abrigaria seus historiadores, uma vez que um instituto de tal natureza "dirigiria toda a pesquisa histórica no Brasil e no estrangeiro, planejando os trabalhos de tombamento, registro e catalogação e todos os documentos e faria executar os acordos e programas de microfilmagem também no Brasil e no estrangeiro". Para ele, os documentos históricos seriam "patrimônio nacional". Recolhê-los e preservá-los de uma "destruição total" significaria "evitar um rompimento espiritual e manter bem viva a nossa tradição histórica". Isso, de certa forma, também cabe na categoria das "intempéries", que mencionei na abertura deste artigo, das quais José Honório tentava preservar a historiografia nacional; por conseguinte, buscava libertar a História do Brasil de visões amadorísticas, conservadoras ou tradicionalistas. Segundo seus critérios, "a verdadeira apologia da pesquisa histórica consiste na ajuda ao cumprimento destas tarefas, sem as quais é impossível o maduro desenvolvimento da historiografia brasileira e sobre o Brasil".
É preciso lembrar, porém, que o enredo e a reunião de intelectuais tão diversos como partes de uma evolução são produto da estrutura narrativa e da interpretação de José Honório uma possibilidade, portanto. Somente em função de sua narrativa os autores ('verdadeiros historiadores') ganham relevância maior ou menor, para aquilo que ele defendia, pois nessa trama podem ser sintetizados num tempo histórico e compreendidos como experiência para determinado campo (presente) e seus horizontes. A narrativa busca tornar 'visível' a passagem do tempo e a mudança que permitiriam a Rodrigues tecer a diferença fundamental entre o que foi (passado), o que era (seu presente) e o que seria seu projeto (futuro) para a historiografia brasileira. Cada uma de suas personagens seria um marco em uma periodização que depende, antes de mais, das outras personagens e, por conseguinte, da própria narrativa, cujo enredo (ou trama) é base a partir da qual se poderia visualizar sua historiografia como algo 'em si', porém dinâmico em movimento evolutivo cujo sentido (télos) seria seu IPH.
se compararmos com os que o precederam, abstraindo Southey, que não pertence à nossa historiografia senão por acaso, e cuja obra não influiu tanto na nossa literatura histórica, veremos o passo enorme que representa o aparecimento inesperado de Francisco Adolfo de Varnhagen. Estava feita a revolução na história brasileira.
Busco apresentar sua ideia de historiografia brasileira a partir desse projeto como uma categoria histórica. Entretanto, um projeto somente pode existir dentro de um quadro intersubjetivo, parte fundamental de uma 'negociação da realidade' com outros indivíduos-sujeito, outros grupos. É um meio de comunicar interesses, objetivos, sentimentos, aspirações para o universo com o qual dialoga. Rodrigues projetava, portanto, dentro de um determinado espaço de experiências, certo campo de possibilidades no qual se inseria e com o qual dialogava, o que implica certas restrições, constrangimentos e limites específicos.
Seu instituto serviria de morada, escola e fortaleza a partir da qual lançaria seu combate ao modelo instituído nas universidades brasileiras. Seu modelo de historiador (pesquisador profissional e professor) procuraria garantir a autoridade científica aos historiadores da esfera universitária brasileira, tendo em vista suas duras críticas à formação quase exclusiva de professores secundários pelos Cursos de História no país. Autoridade essa que estaria ligada aos projetos de Rodrigues para a escrita de uma nova História do Brasil, realizada por aqueles vinculados à sua tradição: elo central não apenas na formação de verdadeiros historiadores e garantia de uma emancipação intelectual para os profissionais da História no país, mas investimento legitimado pela própria história por ele narrada. Seu projeto para o IPH, e razão de sua arquitetura, contudo, nunca saiu do papel.
Assim, José Honório afirmará que Capistrano "renovou todo o método e o espírito da historiografia brasileira" com suas edições críticas da História Geral do Brasil, de Varnhagen idealizada por Capistrano, mas praticamente toda ela realizada e concluída por Rodolfo Garcia , e da História do Brasil de Frei Vicente Salvador. Esta última teria sido "o mais sério e o mais perfeito exemplo de crítica histórica, com todo o rigor da metodologia alemã", como José Honório caracterizava (ibidem, p.136).
O artigo analisa a história da historiografia brasileira, segundo a perspectiva de José Honório Rodrigues (1913-1987), como parte dos esforços que na década de 1930 começaram a investir nos aspectos profissionais da História como disciplina no Brasil enfatizando, por exemplo, a função central da metodologia histórica como diferencial frente às escritas amadoras. Uma das principais contribuições de Rodrigues consistiu na organização e periodização de uma história para a pesquisa histórica brasileira. Ao construir essa narrativa histórica, ele organizou um passado, mas também indicou um futuro possível para aquilo que idealizava como um campo profissionalizado. Seu projeto de um Instituto de Pesquisa Histórica, que asseguraria a formação teórica e metodológica adequada aos jovens historiadores brasileiros, faria a escrita histórica se afastar das visões mais conservadoras e tradicionalistas e desvendar os verdadeiros caminhos para uma revolução no processo histórico nacional.
Em 1952, José Honório Rodrigues já havia começado a divulgação de seu projeto e de suas contribuições para uma renovação da historiografia brasileira, cujos esboços iniciais podem ser encontrados, como propus anteriormente, em alguns artigos de 1945 e em seu manual metodológico de 1949. Com a publicação de A pesquisa histórica no Brasil: sua evolução e problemas atuais (PHB), em 1952, seu projeto ganhava contornos bem definidos. O autor se propõe a oferecer uma 'evolução' para a pesquisa histórica brasileira, um caminho percorrido por vários pesquisadores, e também aponta algumas soluções para aquilo que José Honório identificava em seu presente como os 'problemas atuais' da historiografia brasileira já diagnosticados por ele em seus balanços críticos e anotados ao longo de PHB.
Acredito que os textos e a perspectiva de José Honório Rodrigues no que tange a uma história da pesquisa histórica brasileira representem bem uma possibilidade do fazer historiográfico. Tarefa que, é preciso reconhecer, cristalizou identidades e boas doses de sacralidade sempre complexas, por suas próprias características de se relacionar com o passado a todos os esforços em prol de uma historicização crítica das identidades, dentre elas a identidade historiadora. Deste modo, creio que cabe à Historiografia o trabalho de compreender as muitas faces, os riscos e as possibilidades dessas projeções do presente sobre o passado. Esforço autocrítico, acima de tudo, esse trabalho residiria nos "antípodas de uma disciplina" (ou subdisciplina), como diria François Hartog. Uma abordagem não necessariamente dura demais ('epistemologizante') nem demasiado esotérica (internalista), pois restrita a círculos de especialistas "mais ou menos autoproclamados". Assim, ainda com Hartog,
Tais exames importam pelo simples fato de pertencerem à coluna de Rodrigues em um suplemento literário de um periódico de ampla circulação como O Jornal, e por deixarem que se percebam mais do que os juízos de José Honório sobre aquelas publicações, como também a valorização da escrita da História não só como gênero, mas como necessidade. Pois a sua defesa do estabelecimento de normas metodológicas parece indício daquilo que ele defendia como uma 'verdadeira' historiografia, ou seja, aqueles que poderiam escrever ou contribuir para a mudança dos rumos da História do Brasil, até então caracterizada pelos traços do período colonial, de pouca ou nenhuma transformação, quando não inerte, de tendência ou natureza conservadora, e não como um processo, um movimento evolutivo e progressivo, como era o desejo de José Honório e muitos outros intelectuais à época.
O presente estudo analisa uma fração dos esforços de Rodrigues. Indago sobre a forma como ele compreendia a relação entre História do Brasil e historiadores brasileiros. Pretendo analisar a própria ideia de historiografia brasileira, que significaria para ele, simultaneamente, a história da História (seu passado e evolução) e a escrita da História, avaliando como ela se apresenta em sua narrativa para a evolução da pesquisa histórica no Brasil. A metáfora do arquiteto, utilizada no título do presente trabalho, deriva da epígrafe escolhida e se aplicará ao que denomino como seu projeto de um 'edifício' para a historiografia brasileira, espécie de mansão-escola na 'casa de Clio'. Em Arquitetura, um projeto pode vir ou não a ser realizado; materializado, por assim dizer. Nesse sentido, indago também em que medida poder-se-ia pensar a ideia de historiografia brasileira de José Honório Rodrigues como o núcleo de seu projeto para suas aspirações profissionais. Um espelho, portanto, no qual projetava a própria perspectiva acerca de como deveria ser escrita a História do Brasil e por quem essa operação poderia vir a ser realizada.
Desse modo, acredito que sua visão para a historiografia ainda não se constituía em seus horizontes da forma como, mais tarde, ele sistematizaria sob o formato de um projeto. A imagem do historiador 'moderno', o maior de todos, Capistrano de Abreu, já seria uma constante, da qual ele soube se utilizar e com a qual dialogaria, pois também era compartilhada por boa parte da intelectualidade de sua época. No entanto, não havia um interesse claro, da parte de Rodrigues, por uma narrativa de uma história da História, prevalecendo as perspectivas de Freyre e as contribuições da Antropologia Cultural sobre aquilo que a historiografia produzia então.
Sem diminuir os elogios a Capistrano, José Honório lança comentários críticos sobre algumas de suas interpretações. Assim, dá margem para se inferir sobre uma possível proximidade maior com as ideias e a perspectiva de Gilberto Freyre.
Para isso, proponho tratar analiticamente a ideia de historiografia brasileira de Rodrigues não como um dado a-histórico, cuja existência fragmentada em esparsos vestígios no tempo e no espaço teria sido resgatada por José Honório e cuidadosamente organizada na 'evolução' da pesquisa histórica no Brasil, tampouco como cuidadoso catálogo de autores e obras (Guimarães, 2005, p.33, 34, 37 passim). Trato-a como uma categoria de pensamento, em jogo como uma possibilidade de descrição de uma realidade em negociação, cujas dimensões de valor histórico (e historiográfico) se apresentam e se constituem em termos significativos dentro da própria trama narrativa, que constitui uma interpretação para sua historiografia brasileira apresentada como experiência histórica, de acordo com a proposta e o projeto de Rodrigues, mas também como um horizonte a ser perseguido. No caso específico de José Honório, um historiador que falava para historiadores sobre historiadores do passado, a forma como ele constrói sua trama narrativa é importantíssima para se compreender não apenas o tipo valor das contribuições desses pesquisadores para ele, mas também qual o sentido dessa história, narrada como uma evolução. Sua valorização não existe 'em si' nem chega a nós independentemente da estrutura sequencial de início, meio e fim proposta por Rodrigues, tampouco desligada de seus usos em prol do seu projeto maior.
Outro aspecto importante é que o Capistrano retratado nesse texto assemelha-se mais a um intelectual afeito aos determinismos de Spencer, ou de uma 'escola positivista', do que o Capistrano 'alemão' (metódico) representado por Rodrigues posteriormente. A ênfase sobre a formação metódica nos moldes da ciência histórica alemã de Ranke, por exemplo, seria traço predominante na caracterização do mestre da historiografia brasileira no texto "Capistrano de Abreu e a historiografia brasileira", de 1953. Nesse texto, Rodrigues valoriza a breve menção feita por Capistrano, em missiva de 1904 ao barão de Studart, ao trabalho de Ranke. Em sua leitura de 1953, Rodrigues propunha uma comparação entre o Capistrano positivista e o metódico, deixando claro que, a partir de 1900, ele teria se 'germanizado', deixando para trás os resquícios do positivismo presentes em sua tese de 1883, sobre o 'Descobrimento' do Brasil apresentada no concurso para o Colégio Pedro II. Após a entrada do século XX, Capistrano teria se deixado conduzir pelos métodos de seminário de Ranke e pela doutrina antropogeográfica de Ratzel, seguindo o método crítico-filológico de pesar os testemunhos e pesquisar as fontes, sua autenticidade e credibilidade, limpando, por assim dizer, os documentos de toda suspeita.