Uma coisa que o filme O Homem Invisível consegue passar é a imersão à tensão iniciada já de início, quando, na calada da noite, a personagem Cecilia Kass (Elisabeth Moss) levanta sorrateiramente da cama e põe em prática o seu derradeiro plano de fuga para escapar da mansão onde mora com o seu namorado Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen), do qual mantém um relacionamento abusivo.
Como todo homem manipulador e abusivo, ele aplica seu golpe com calma e cuidado. Começa com pequenas mudanças, como aumentar o fogo de uma panela e fazer a comida de Cecilia queimar. Depois, passa a atormentá-la ao puxar os cobertores, apagar e acender a luz e finalmente drogá-la e plantar dúvidas sobre sua sanidade mental. Afinal, ela está vendo coisas e sendo paranoica, ou aquilo realmente está acontecendo? Ao plantar a dúvida na sua cabeça, ele afasta todas as pessoas que ela ama. Primeiro sua irmã, com um e-mail falando sobre a relação entre elas. Depois James e Syd. Assim, Cecilia se encontra isolada, com medo e, o principal: com fama de louca. Um sentimento de solidão imbatível abala a protagonista, que vive na sombra da mulher que um dia foi, mas que ao mesmo tempo parece determinada a provar para o mundo o papel de Adrian na sua tormenta e na sua recém missão contra ela. Algumas cenas brincam com a ambientação e os jump scares para criar um clima mais tenso, mas o terror mais eficiente ainda é aquele que está presente na cabeça da protagonista.
Liberdade para o homem é ter poder e dinheiro, enquanto para a mulher é ter independência, financeira e emocional. O Homem Invisível entende isso, e é por isso que a jornada de Cecilia em busca dessa liberdade é algo tão duro e tenso de acompanhar. Privada da sua forma de se vestir, de falar e até mesmo de pensar, a mensagem do longa nunca para de ser óbvia, justamente porque trata de relacionamentos abusivos, onde não existe espaço para interpretações. Existe a vítima, e existe aquele que perpetua o crime, que manipula e isola. O humor, que era tão presente na obra original, é substituído por uma sensação de desconforto constante.
Ainda na cena inicial, a câmera percorre pelos equipamentos até o enquadramento da máquina responsável por tornar um homem invisível, uma invenção digna de um cientista maluco. A partir desse momento, já é possível imaginar que aquela fuga não iria evitar um futuro e perturbador encontro entre Griffin e Kass.
Abordar essa narrativa pelo viés tecnológico e menos sobrenatural também se prova uma decisão precisa ao longo do filme. Cecilia não é atormentada por um fantasma, mas sim por um homem obsessivo. Mais uma vez, o roteiro deixa claro que o problema não é ela, mas o comportamento abusivo de Adrian. Ao mesmo tempo, a história também se beneficia de uma fotografia e direção que são inteligentes e sabem muito sobre como podem criar uma ambientação melhor para a trama. Como o vilão é literalmente invisível, a câmera foca nos cantos escuros para chamar atenção do público e da própria Cecilia, que não sabe o que pode falar ou em quem confiar. Adrian é onipresente e onipotente, e ciente disso, a protagonista não consegue usufruir de um momento sequer de privacidade. Eventualmente, no entanto, aprende a usar isso ao seu favor.
Quando o público conhece Cecilia pela primeira vez, ela já bolou um plano para fugir do seu relacionamento abusivo com Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen, de The Haunting of Hill House), que tem um nome grande e importante no mundo da tecnologia. Ela dá um remédio para o seu parceiro dormir pesado e consegue correr desesperada para fora da mansão em que eles vivem na praia, com a ajuda da irmã Alice (Harriet Dyer). Sem conseguir superar o trauma e com medo de que o homem possa ir atrás dela, a protagonista se esconde na casa do seu amigo mais antigo James (Aldis Hodge) e passa grande parte dos seus dias o ajudando com sua filha Syd (Storm Reid), sem conseguir sequer ir até a caixa de correspondência e pegar as cartas. Duas semanas depois, ela descobre que Adrian cometeu suicídio e que ele deixou 5 milhões de dólares como sua herança.
Adrian faz com que Cecilia não só questione sua sanidade, mas também qual o seu papel nisso. Em certo ponto da narrativa, Cecilia passa a acreditar piamente que talvez a culpa do que está acontecendo seja realmente sua, já que ela trouxe o homem para a vida de seus amigos e familiares. Para sua vida. Em determinado momento na história, Emily diz que Cecilia é fraca por deixar Adrian se “aproveitar” dela desse jeito, mas o próprio roteiro não deixa transparecer essa mentalidade. A protagonista é uma vítima, claro, mas isso não quer dizer que ela não tenha forças ou seja fraca. Pelo contrário. Envolvida pelas circunstâncias, ela luta por sua liberdade e às vezes pensa em desistir. Mesmo com poucas cenas que mostram o relacionamento entre ela e Adrian no começo, fica muito claro o nível de loucura e como exatamente ele a manipulava — controlando a forma como ela se vestia, falava, pensava e até mesmo se ela tomava pílulas anticoncepcionais ou não. Nesse ponto, O Homem Invisível chega a flertar com a possibilidade de explorar o estupro marital, mas acaba nunca chegando a desenvolver muito bem esse aspecto, deixando apenas como uma menção superficial. O problema é que, mais tarde, ela acaba aparecendo grávida, algo que também não parece ser completamente estudado pelo roteiro — e acaba sem uma resolução.
Acontece que ele estava errado. Cee aparentemente planejou sua vingança desde bem antes da morte de Emily. Durante a sequência em que ela visita à casa de Adrian e esconde o terno invisível, eu gosto de muitos se perguntaram por que ela não guardou, usando o hardware para provar à irmã e aos policiais que ela não estava histérica. Mas, como se vê, ela sempre teve a intenção de resolver o assunto com suas próprias mãos, fingindo uma reconciliação. Adrian só tornou muito mais difícil conseguir cometendo assassinato.
Então ela volta para a casa de horror de Adrian onde ela fugiu em completo terror há um mês, até mesmo concordando em jantar com seu ex-manipulador. No entanto, quando ela se afasta da mesa para ir para o quarto deles, Adrian aparece na câmera para cortar sua própria garganta com sua faca de carne: cometer suicídio exatamente da mesma maneira que Emily foi assassinada.
Uma releitura de O Homem Invisível não parecia ser uma boa ideia no começo, já que os remakes parecem cada vez mais saturados e com dificuldade de entender para o que eles realmente servem: para atrair um novo público, ou causar nostalgia. Apesar das circunstâncias e da pouca expectativa, Whannell fez um ótimo trabalho, que não só manteve a essência da obra de Wells sobre solidão, mas ao mesmo tempo criou algo novo e essencial no século XXI, entendendo que os monstros que ficam escondidos no nosso guarda-roupa ou debaixo da nossa cama nem sempre são literais; às vezes eles andam ao seu lado e de mãos dadas.
É importante mencionar que o terror já é estabelecido desde o começo na narrativa. Toda a sequência onde ela foge da casa e todos os pequenos passos que ela dá em busca de resgatar sua independência emocional, como tentar buscar a correspondência ou simplesmente olhar pela janela, são aterrorizantes e tensos justamente porque tratam de um assunto tão comum e real, algo que acontece todos os dias. A história, no entanto, começa a ganhar mais profundidade quando Cecilia começa a ser atormentada por uma figura invisível, que ela acredita ser Adrian.
Além disso, por que Tom faria parecer que Adrian era seu prisioneiro antes de matar a filha de James? É uma pílula muito difícil de engolir que ele permitiria um plano principal, ou mesmo uma contingência, onde ele é morto ou preso enquanto mata uma garotinha. E se Tom não fez parecer que Adrian estava amarrado… Bem, mesmo Houdini não poderia amarrar seus próprios nós em torno de seus pulsos.
É desesperador acompanhar a escalada quanto ao trauma psicológico de Cecilia Kass e a transformação na mudança comportamental e física que a atriz Elisabeth Moss consegue dar à sua personagem, um trabalho realizado com dedicação.
O terror psicológico é explícito, desde o começo o diretor Leigh Whannell deixa claro que a sua intenção não é fazer as pessoas acreditarem que o homem invisível seja uma alucinação da cabeça de Cecilia, mas sim algo real. Aliás, tão real que transcende a história de ficção por trás das telas, tragicamente essa violência e perseguição à mulher se mostra uma realidade presente e muitas vezes mortal.
Depois de viver Offred em The Handmaid’s Tale, Elisabeth Moss entrega outro trabalho que exige muito emocionalmente e um dos melhore desempenhos da sua carreira. A violência física de Adrian não chega a ser mostrada de forma explícita no longa, apenas mencionada (outro acerto do roteiro, inclusive), mas a forma como os problemas psicológicos são abordados é tão crua e honesta que é quase impossível assistir sem se sentir desconfortável.
A faca de carne sendo naturalmente sobre a mesa, e ela sendo gravada no fio de James e na câmera de Adrian como ir ao banheiro cria o álibi perfeito enquanto a garganta de Adrian é cortada. Ela então se certifica de que ela é agradável e visível na câmera quando ela chama 911. Os registros do patriarcado devem ser satisfeitos. Mas depois de chorar pela lente, ela sai do quadro, tornando-se efetivamente invisível.