Carioca, porém hoje residindo em Brasília, local onde leciona as aulas sobre filosofia, socio-política, simbologia e ética. Lucia Helena Galvão é autora de quatro livros, além de escrever crônicas e artigos publicados pela imprensa constantemente.
Entre as dicas, Lúcia ressaltou a importância de dominar o tema da entrevista para qual você foi convidado; saber para qual público você está falando para adequar sua linguagem; não usar jargões médicos; lidar com frustrações de falar 2h com o jornalista e só saírem duas linhas na matéria; e despertar a curiosidade do jornalista para o assunto a fim de ele ficar interessado em saber mais.
Mas, para frear uma pandemia e evitar muitas mortes, não adianta termos vacinas se elas não chegam no braço de todos — e atenção — praticamente ao mesmo tempo. Mariângela Simão gosta de repetir que, nas próximas, podemos cometer novos erros, mas não repetir os antigos. E vou lhe dizer: a falta de equidade na vacinação é um vacilo antiquíssimo.
Para a humanidade se preparar ou até mesmo prevenir uma nova pandemia, o ideal seria observar outras espécies. "Lá atrás, quando imaginaria que o estudo do padrão migratório das aves era importante para uma médica sanitarista como eu?", exemplifica a doutora.
São comportamentos assim que o tratado tentará coibir. E ele também será fundamental para ninguém se esquecer dos últimos três anos. Em sua apresentação no simpósio de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Mariângela Simão disse que um obstáculo sério é que tanto os responsáveis por políticas públicas quanto a própria população têm memória curta.
Além disso, feito aquelas pessoas que, desesperadas no anúncio da quarentena, encheram a despensa de leite condensado para fazer brigadeiro por um século, Estados Unidos e alguns governos europeus compraram um número mais alto de doses do que o de sua população. "Uma quantidade até nove vezes maior", afirma a doutora Mariângela. Naquele período, faltavam vacinas em boa parte do globo.
"E agora com a covid-19 não foi muito diferente", pensa a médica. "O consórcio Covax, por exemplo, comprou vacinas para distribuir a países mais vulneráveis. No entanto, alguns produtores entregaram o imunizante primeiro a quem tinha encomendado depois, mas pagando mais."
Veja a dengue. O primeiro caso conhecido foi em Java, em 1779, e levou quase 150 anos para a doença sair da ilha na Indonésia e fazer vítimas pelas Américas. Já hoje o mosquito que serve de vetor para o vírus não precisa voar muito até encontrar um grande número de indivíduos para picar. E, se entre eles há alguém infectado, logo passa a dengue para a próxima pessoa de quem sugará o sangue.
Talvez esses tipinhos não lhes façam mal. Mas o contato forçado com o bicho homem favorece uma transição — um vírus que parecia inofensivo passa a infectar o ser humano causando, então, uma zoonose. Foi assim com o HIV, com o ebola e — para citar um exemplo que deve se tornar mais falado nos próximos dias — com a gripe aviária.
Lembrando que a origem de pandemias frequentemente é uma zoonose, a OMS até criou uma estrutura, a One Health, para se debruçar sobre esse tripé: saúde humana, saúde animal e saúde ambiental, cujas interações ainda são pouquíssimo conhecidas.
"Assim, é possível flagrar a entrada de um novo patógeno ou o ressurgimento de um deles que andava sumido e para o qual praticamente já não se produzem vacinas, como é o caso vírus da varíola", ensina a diretora-presidente do ITpS — instituto que, por sinal, atua nessa frente, fortalecendo redes de vigilância epidemiológica no país para revelar quais patógenos andam circulando entre nós, brasileiros. Segundo a doutora Mariângela, os vírus respiratórios merecem uma atenção ainda maior. "Pela facilidade com que se propagam", justifica.
Prepare-se. O que vivemos nos últimos três anos, quando o Sars-CoV2 deu a volta ao mundo, não foi a primeira e, se olhamos para a História, não é plausível pensar que será a última pandemia enfrentada pela humanidade. A pergunta que fica no ar é: quando será a próxima? Quem entende desse riscado acha que não irá demorar tanto.
"Quando você olha quanto se investe estudando a saúde humana e quanto se investe nas outras duas, fica claro que há um risco: sempre deixamos para correr atrás do entendimento de onde veio um vírus depois que ele chegou e já está causando doenças entre nós."
Só que, no passado, uma doença demorava muito mais para ir de um continente a outro. Então, era mais difícil para uma pandemia eclodir. "Agora, não. E deixo claro que não é uma opinião pessoal, mas o que aponta a ciência", diz ela.
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
Ainda no último domingo, 21, foi aberta no Palais des Nations, em Genebra, na Suíça, a 76ª Assembleia Mundial da Saúde. Até o próximo final de semana, representantes dos 194 países que hoje fazem parte da OMS (Organização Mundial de Saúde) devem redigir um tratado internacional de preparação para novas pandemias, cuja versão final será apresentada no encontro do ano que vem.
A melhor estratégia — ainda distante de realidade — seria dar um passo atrás e analisar os potenciais patógenos em espécies animais cujo comportamento está se alterando em função de agressões ao meio ambiente. Ou continuaremos à mercê de más surpresas.
De volta ao Brasil, a doutora Mariângela é a nova diretora-presidente do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) e eu assisti à sua apresentação durante o International Symposium on Immunobiologicals, promovido por Bio-Manguinhos/Fiocruz na primeira semana deste mês. Ali, o tema também era este: estamos prontos?
Aliás, não só em vírus, mas em qualquer micro-organismo causador de doenças. Você pode apostar que o tratado da pandemia deve ressaltar que todos os países precisariam se comprometer a realizar uma forte vigilância epidemiológica.
Por fim, as cidades lotadas se esparramam. Crescem roubando o espaço dos animais que estavam em seu canto, na natureza. E eles carregam milhões de micro-organismos que ainda não conhecemos.