Ao chegar à vida adulta, muitas pessoas deixam o lar em que nasceram, reduto de suas primeiras memórias, com o objetivo de seguir se desenvolvendo longe da terra natal. À medida que crescemos, a vida nos coloca metas e desafios que nos enriquecem com aprendizados e nos levam ao amadurecimento. No entanto, assim como avançamos, também corremos o risco de que as adversidades e distrações da vida nos façam esquecer quem somos de verdade e como chegamos ao lugar onde nos encontramos, fazendo-nos perder o rumo no caminho que percorríamos.
Rapidamente, Saroo aprendeu inglês e esqueceu seu idioma nativo (é por isso que o nome Saroo acabou sendo uma pronúncia ruim de Sheru), e sua família adotou outro garoto chamado Mantosh. Anos se passaram e ele foi crescendo em um meio amoroso, com pais dispostos a lhe dar educação e tudo o que estivesse ao seu alcance para fazê-lo tão feliz como ele os fazia. Foi assim que tudo aconteceu, mas a história da infância de Saroo, para o rapaz, tinha ficado inacabada: “sem dúvida, foi traumático ter todas as lembranças e o sentimento de incerteza, mas aprendi a lidar com isso”, lembrou. “Desde criança, quando eu ia para a cama, tinha muitos sonhos com a minha família da Índia.” Olhando para a situação agora, “durante muito tempo, minha infância foi um fardo, que de fato manteve esses pensamentos e recordações vivos”.
Saroo contou que agora até dorme muito melhor e que sente ter tirado um peso das costas: “a força motriz era saber se minha família estava viva. Precisava ver seus rostos de novo e lhe dizer que eu estava bem, e saber que eles também estavam. Quem não ia querer o mesmo? Tratava-se de ter uma resposta, e agora, eu a tenho”. Saroo contou sua história (que não se trata apenas de seu regresso à casa, mas também de seu encontro consigo mesmo, seu passado e sua cultura natal) em um livro que virou filme, ambos de sucesso, e que comoveram muitos corações. Através de seu testemunho, demonstrou que, quando nos sentimos perdidos, é importante retomar o princípio para nos orientarmos e seguirmos em frente.
Um ano depois, a mãe adotiva também quis conhecer a biológica e foi até a Índia para vê-la. Sobre esse momento, Sue lembrou com emoção: “comecei a chorar e nos abraçamos. Com a ajuda de um tradutor, ela me disse: ‘ele agora é seu filho. Eu te entrego o meu filho’. Ficamos ali um bom tempo, apenas nós três, abraçados. De repente, nada se ouvia, apenas a nossa respiração”. Foi outro momento vital para Saroo, pois na hora sentiu que todas as suas inseguranças e tristezas, por causa de sua identidade perdida, tinham desaparecido: “a depressão e todas as preocupações foram embora quando vi minhas duas mães, que tinham me dado não apenas uma vida, mas duas, abraçando-se com lágrimas nos olhos”.
Saroo nasceu em 1981, na Índia, e seu verdadeiro nome é Sheru Munshi Khan. O garoto viveu seus primeiros cinco anos em uma família carente, sob condições muito precárias. Após seu pai abandonar a família, sua mãe teve de começar a trabalhar em uma construção para poder manter os filhos. O problema é que o salário não era suficiente para ter alimento todos os dias, de modo que Saroo e dois de seus irmãos mais velhos, Guddu e Kallu, tentavam conseguir dinheiro e comida através de pequenos trabalhos ou pedindo esmola. Apesar de todas as privações, o certo é que a união entre mãe e filhos era muito forte, e eles aprenderam a ser felizes sem grandes recursos materiais, apoiando-se e aproveitando as coisas simples da vida.
Saroo não ficou muito tempo no orfanato. Um dia, Sue e John Brierley, que queriam adotar uma criança, o esperaram em um aeroporto com um coala de pelúcia e chocolates para convidá-lo a fazer parte de sua família. O carinho foi imediato e, sem duvidar, o levaram para viver com eles na Tasmânia. “Aceitei que estava perdido e que não poderia encontrar o caminho de volta para casa, então achei que seria incrível viver na Austrália”, pensou Saroo, que imediatamente sentiu afinidade por Sue. Ela contou, bastante emocionada, que “a chegada de Saroo foi uma espécie de nascimento na sua família” e que, quando o conheceu “foi um momento fantástico, cheio de amor e alegria”. Mesmo sem conhecer suas origens, o casal percebeu que “o garoto vinha de uma boa família, que tinha vivido com amor à sua volta”, contou John.
Após cinco anos de pesquisa e muita determinação, em 2011 seu esforço deu frutos quando encontrou um rio nas imagens por satélite que lhe pareceu familiar: “quando o encontrei, dei um zoom e simplesmente o reconheci. Percorri a imagem e encontrei até a cascata onde costumava brincar”, e foi tamanha a alegria que sentiu ao ver aquele lugar que não via há mais de vinte anos, chegando até a achar que estivesse sonhando: “era verdade? Era sonho? (...) Foi um momento surreal. Estava pulando de alegria por dentro”.
Longe de seu lugar de origem, conforme foi subindo na vida, essa inquietude foi se tornando mais intensa, a ponto de repercutir em sua felicidade e levá-lo a um grande sentimento de vazio. Então, decidiu pôr fim à incerteza fazendo o que não conseguiu na infância: encontrar o caminho de volta para casa.
Ele não conseguiu sair do trem até chegar à estação de Howrah, um bairro de Calcutá onde falavam uma língua completamente diferente e onde não conhecia ninguém. “Sentia medo. Não sabia onde estava. Simplesmente comecei a abordar as pessoas e a lhes fazer perguntas”, contou Saroo. Só que ninguém pôde ajudá-lo, e assim, passou duas ou três semanas vivendo ali, dormindo nos bancos da estação, comendo restos e fugindo de pessoas que poderiam lhe fazer mal. Até que, finalmente, um adolescente o levou a uma delegacia onde foi declarado como uma criança perdida. Lamentavelmente, Saroo não tinha os conhecimentos para indicar aos profissionais qual era a sua cidade natal, nome que pronunciava mal. Ele falava Ganestalay, mas o correto era Ganesh Talai, de modo que, sem poder entrar em contato com sua família, as autoridades o enviaram a um orfanato.
Você gostou da história de Saroo? O que faria em uma situação semelhante? Conhece outros casos inspiradores de pessoas que tenham lutado para superar as adversidades e realizar um desejo ou um sonho? Não pense duas vezes em nos deixar sua opinião nos comentários.
O Incrível.club apresenta a história de Saroo Brierley, que, aos 5 anos, se perdeu e por muito tempo não conseguiu encontrar sua família. Após anos de busca, vencendo suas limitações e conflitos internos, não só conseguiu encontrar seu lar de origem, como a si mesmo, e acabou inspirando o filme Lion — Uma Jornada Para Casa.
Quando encontraram uma forma de se comunicar, Saroo soube que na noite em que dormiu no vagão, seu irmão sofreu um acidente e quase perdeu a vida, por isso não voltou para pegá-lo. Então, entendeu como foi difícil para sua família encontrá-lo, praticamente sem informações sobre o momento de seu desaparecimento. No entanto, “minha mãe nunca deixou de rezar por meu regresso. Procurou vários sacerdotes e guias espirituais da comunidade, em busca de ajuda e orientação. Todos lhe asseguravam que eu estava são e salvo, e que era feliz. O mais espantoso é que, quando lhes perguntava onde eu me encontrava, eles apontavam para o sul. Comecei a entender que a fé de minha mãe na minha sobrevivência tinha marcado sua vida, assim como minha determinação em encontrá-la marcou a minha”. Ainda que às vezes tenha sido tratada como demente, ela nunca perdeu as esperanças de que o filho continuava vivo e que voltariam a se encontrar.
Uma noite, Guddu foi trabalhar na limpeza de uma estação de trem, função que costumava desempenhar de vez em quando e, após a insistência de Saroo para deixá-lo ir junto, com má vontade o irmão concordou. No entanto, quando chegaram, e por ser muito tarde, Saroo ficou dormindo em um banco da plataforma, e Guddu foi trabalhar dizendo ao irmão que voltaria logo e que não saísse dali. Só que não voltou, então Saroo, impaciente, o procurou no vagão de um trem vazio, parado na estação: “pensei que meu irmão regressaria e fosse me acordar, mas ao despertar, não o vi em parte alguma. Vi um trem e pensei que ele pudesse estar nele. Então, decidi procurá-lo nos vagões, achando que o encontraria”. Vencido pelo sono, acabou adormecendo e, quando acordou, o trem estava em movimento, impossibilitando-o de descer. “Ainda sinto o calafrio de pânico ao me ver preso. Não parava de correr nem de gritar o nome do meu irmão, suplicando que voltasse para me pegar”, lembrou Saroo.
Felizmente, ele fez amigos da Índia na universidade, que lhe ensinaram a usar o Google Earth, uma plataforma que mostra mapas do mundo com imagens tiradas por satélite. Utilizando a estação de trem de Howrah como ponto de referência (onde viveu várias semanas em sua infância, depois de descer do trem), aos poucos foi analisando cada lugar da Índia que se parecia com a sua terra. “Usei a matemática e tudo o que podia lembrar sobre os pontos de referência e da arquitetura de minha cidade natal”, contou sobre sua odisseia.
Em fevereiro de 2012, com o apoio de sua família adotiva, Saroo viajou até à Índia, ao local que o mapa lhe indicou. “Se ele quisesse explorar a região, para nós estava tudo bem. O que queríamos é que se sentisse completamente feliz com sua identidade”, explicou Sue. Sem lembrar do idioma, mas com determinação, o rapaz viajou sozinho e, ao chegar, percorreu o caminho que costumava fazer quando era criança. Cada lugar lhe trazia recordações de sua infância que o guiaram até a casa humilde na qual vivera. No entanto, nem tudo foi alegria, já que ao chegar constatou que não havia ninguém lá. “Quando cheguei, a porta estava trancada. A casa era velha e maltratada, como se há muito tempo não fosse ocupada por ninguém”, contou Saroo, que, nesse momento, temeu ter viajado em vão. No entanto, sua presença chamou a atenção dos vizinhos curiosos, que se aproximaram para lhe perguntar se precisava de alguma coisa: “veio outra pessoa, depois uma terceira, e então uma delas disse: ’espere aqui um minuto que eu já volto’. Ao regressar, depois de alguns minutos, disse: ’agora vou levá-lo até a sua mãe’”.
“Fiquei simplesmente entorpecido e pensei: ’estou ouvindo isso mesmo?’”. Apesar da emoção, quando o levaram, a princípio não pôde reconhecer a mãe, já que sua lembrança era totalmente diferente da mulher que tinha à sua frente, agora bem mais velha: “mas a estrutura facial ainda estava ali, tanto que a reconheci e lhe disse: ‘sim, é a minha mãe’”. Então, se abraçaram fortemente. “Foi o momento mais crucial da minha vida”, contou Saroo, que, sem poder falar a mesma língua, tentou lhe dizer: “sei que me procurou, eu também passei a vida toda tentando te encontrar”. Foi então que sua mãe, sem dizer uma só palavra, o tomou pela mão e o levou à sua casa. “Não conseguia me dizer nada. Acho que estava tão anestesiada quanto eu. Ela teve alguns problemas para compreender que seu filho, 25 anos depois, havia reaparecido feito um fantasma”.