Uma quase que liga Espanha a Marrocos e a outra está mesmo dentro do território marroquino, tornando ambas verdadeiros enclaves – ou seja, como diz no dicionário, parte de um território dentro dos limites geográficos de um outro território ou país diferente.
SCHAIN, Martin. The Challenge of Illegal Immigration in Europe. E-International Relations. 2013. Disponível em: <https://www.e-ir.info/2013/12/14/the-challenge-of-illegal-immigration-in-europe/> . Acesso em: 27 mai. 2021.SPAIN. Country Economy. Disponível em: <https://countryeconomy.com/countries/spain>. Acesso em: 31 mai. 2021.
A questão migratória já era foco de preocupações de segurança nas cidades há anos, sendo que em 1993 iniciou-se o período de construção de cercas, que seriam reforçadas após incidentes em 1995, 1998 e 2005 (SCHAIN, 2013). As cercas já são uma parte conhecida da iconografia das crises migratórias, desde Estados Unidos a Hungria, Grécia e Áustria. Neste caso representam, assim como na Palestina, além de um obstáculo que impede a entrada de pessoas não autorizadas, uma forma de manter o domínio de um Estado sobre a reivindicação de outro. Ceuta e Melilla nunca fizeram parte de Marrocos, mas o crescimento da população marroquina nas cidades, bem como disputas territoriais sobre ilhas próximas, abre espaço para que representantes e apoiadores do reinado alauita tragam à superfície disputas territoriais e, como consequência, conflitos diplomáticos (ORTIZ, 2010; MIKHAEL, 2017).
Frente a tudo isto, as fronteiras também têm sido sujeitas a jogos de poder entre a União Europeia e Marrocos, visto que, para além das disputas territoriais, este último ainda é capaz de exercer determinado nível de controle sobre a presença de migrantes em torno das cidades (MIKHAEL, 2017). Na crise de 2021, isto se torna particularmente emblemático por causa do possível uso da crise migratória como resposta à posição europeia frente ao Saara Ocidental. Vejamos a questão a seguir.
GONZÁLES, Fernán. Sánchez oculta a Transparencia cuántos ilegales ha trasladado desde Canarias, Ceuta y Melilla. OK Diário España. Disponível em: <https://okdiario.com/espana/sanchez-oculta-transparencia-cuantos-ilegales-trasladado-desde-canarias-ceuta-melilla-7245095>. Acesso em: 27 mai. 2021.
MIKHAEL, Drew. Ceuta and Melilla: the Spanish enclaves at the centre of the fight against terrorism. The Conversation. 2017. Disponível em: <https://theconversation.com/ceuta-and-melilla-the-spanish-enclaves-at-the-centre-of-the-fight-against-terrorism-83196>. Acesso em: 27 mai. 2021.
Em maio de 2021, a entrada de cerca de 9.000 pessoas – um terço delas menores de idade – na cidade espanhola de Ceuta, localizada ao norte de Marrocos, resultou em uma crise humanitária e diplomática sem precedentes na região. Por conta de sua localização, Ceuta e sua cidade-irmã, Melilla, são um ponto conveniente de entrada de refugiados e migrantes africanos no espaço europeu. Ainda assim, há mais fatores a considerar ao tratar deste mais recente evento e sobre o que estas cidades vêm significando no âmbito das migrações. Desta forma, este texto pretende abordar alguns dos fatores das relações entre Espanha e Marrocos que levaram à crise e o que isto pode significar para o futuro.
ASÍ le hemos contado la crisis migratoria en Ceuta y Melilla. El País. 25 mai. 2021. Disponível em: <https://elpais.com/espana/2021-05-24/ultima-hora-de-la-crisis-migratoria-entre-espana-y-marruecos-entradas-de-inmigrantes-en-ceuta-y-melilla-en-directo.html>. Acesso em: 31 mai. 2021.
Resta saber, ainda, o que isto significará para as relações entre Marrocos e Espanha. Madri afirma que as relações melhoraram desde a crise e se ofereceu para representar Marrocos frente à União Europeia (REUTERS, mai. 2021). Rabat, no entanto, continua a condenar a Europa sobre a questão do Saara Ocidental e o abrigo de Gali. Sua postura, na realidade, transcende suas tensões com a Espanha e é símbolo de sua estratégia de reivindicação da região (HERRANZ, mai. 2021).
No dia 16 de maio, ocorreu a abertura, por parte de Marrocos, das fronteiras em Ceuta. Desde o dia 17, entre 8.500 e 10.000 pessoas entraram no território pelo mar ou por pontos fracos das cercas, o que caracteriza o maior influxo de migrantes da história da Espanha – e entre estes números, centenas eram menores desacompanhados (MARTÍN, mai. 2021a). A resposta do governo espanhol foi mobilizar o exército das fronteiras. Até o dia 25, 7.500 destas pessoas já haviam retornado (EL PAÍS, mai. 2021). Outro efeito imediato foi a reafirmação da identidade europeia de Ceuta. “As fronteiras espanholas são fronteiras europeias”, adverte Ylva Johansson, a comissária europeia de Interior, ideia essa corroborada pela presidente da Comissão Europeia Úrsula Von Der Leyen. Há, por parte dos líderes europeus, a defesa do novo pacto migratório, que está em processo de negociação há alguns anos (MIGUEL E ABRIL, mai. 2021).
Por um lado, o aumento dos pedidos de asilo a partir deste período e a crescente presença de migrantes menores de idade – sobretudo na mais recente das crises – trazem à tona a urgente necessidade de revisão da legislação relativa às migrações em Ceuta, Melilla e nas Ilhas Canárias (MARTÍN, mai. 2021a). Por outro, também faz crescer as preocupações de segurança por parte das autoridades europeias. Os ataques terroristas em Barcelona em 2017, por instância, tiveram como principais suspeitos migrantes de origem marroquina. Isto chamou atenção para a capacidade da região de servir como campo de recrutamento do Estado Islâmico (MIKHAEL, 2017), algo exacerbado pelo fato de que as cidades são amplamente consideradas como não abrigadas pela cláusula de defesa coletiva da Organização Tratado Atlântico Norte (OTAN), uma das principais associações de defesa das quais a União Europeia é membro. Vale recordar, neste aspecto, que se deve levar em consideração outros fatores para além do texto do Tratado, como vontade política expressa (AZCÁRATE, 2020).
Foi tornada cidade autónoma em 1995, mas ainda está ligada aos serviços de educação e judiciais de Granada, por exemplo. Tem mais de 82 mil habitantes, população constituída sobretudo por cristãos e muçulmanos, e minorias judaica e hindu.
Ambas as cidades possuem um misto de cultura árabe e europeia, o que inclui o uso das línguas espanhola e arábica, além da presença do Cristianismo e do Islã, mas sua única moeda é o Euro. Possuem autonomia local e governos próprios, com presença no Senado e na Câmara de Parlamentares espanhola (BBC, 2018). Não são Comunidades Autônomas, mas Cidades Autônomas sem capacidade legislativa, e tampouco fazem parte do espaço aduaneiro da União Europeia.
Ceuta e Melilla são as duas cidades autônomas espanholas que ainda se encontram no continente africano, ao norte de Marrocos e no litoral do mar Mediterrâneo. De fato, ambas são parte do território espanhol desde o século XVI e, portanto, nunca fizeram parte do reino de Marrocos, embora tenham sido parte de sérias disputas diplomáticas desde então. Em termos geográficos, as duas cidades se caracterizam como exclaves, ou seja, partes do território de uma nação encravados em outro país. Sua posição como as únicas fronteiras terrestres entre Europa e África as coloca como uma das mais convenientes rotas para migração entre os dois continentes (MIKHAEL, 2017).
Melilla está situada na parte oriental da cadeia montanhosa de Rife e virada para o mar Mediterrâneo. Tem um importante porto que serve para fazer a exportação de produtos marroquinos, como os curtumes, sapatos e conservas.
ORTIZ, Ana. Claves del triángulo Marruecos, Ceuta y Melilla: inmigración, economía y política. Grupo de Estudios Estratégicos GEES, análisis nº 8322, dec. 2010.SENTENCIA DEL TRIBUNAL DE JUSTICIA (Gran Sala) de 21 de dezembro de 2016. Disponível em: <https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=Sahara%2B&docid=186489&pageIndex=0&doclang=ES&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1078301#ctx1>. Acesso em: 30 mai. 2021.