A Reforma Psiquiátrica no Brasil teve como primeira fonte inspiradora as ideias e práticas do psiquiatra Franco Basaglia, que revolucionou, a partir da década de 1960, as abordagens e terapias no tratamento de pessoas com transtornos mentais nas cidades italianas de Trieste e Gorizia.
O aprofundamento de sua metodologia e o retorno à vida social conseguido com milhares de ex-internos em Trieste levou a prefeitura local, com o passar dos anos, a fechar o hospital psiquiátrico, optando gradualmente pela abertura de novos centros terapêuticos territoriais, como os concebidos por Basaglia.
Se esta nova inflexão representa um ponto de partida, ela permite também demarcar em uma definição mínima o que é a reforma psiquiátrica brasileira. A definição proposta por pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) contempla os pontos essenciais e está em consonância com o conjunto da produção teórica do campo:
Para o período de que estamos tratando no momento a década de 1980 , o que importa destacar é o fato de que a apresentação do projeto de lei original, em 1989, teve o efeito de produzir "uma intensificação sem precedentes da discussão sobre o tema em todo o país", que não ficou restrita aos meios especializados e fez avançar o movimento da reforma (Bezerra Jr., op. cit., p. 183). Além disso, a discussão sobre o projeto suscitou a elaboração e aprovação, em oito unidades da federação, de leis estaduais que, no limite da competência dos estados, regulamentavam a assistência na perspectiva da substituição asilar. A intensificação do debate e a popularização da causa da reforma desencadeadas pela iniciativa de revisão legislativa certamente impulsionaram os avanços que a luta alcançou nos anos seguintes. Pode-se dizer que a lei de reforma psiquiátrica proposta pelo deputado Paulo Delgado protagonizou a situação curiosa de ser uma 'lei' que produziu seus efeitos antes de ser aprovada.
Um último ponto diz respeito à participação da sociedade no processo da reforma e à ampliação dos setores nele envolvidos. Neste aspecto, a II Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em 1992, é um marco histórico da reforma psiquiátrica brasileira. A intensa participação dos segmentos sociais envolvidos na questão da saúde mental deixa-se ver no fato de que 20% dos delegados à conferência eram representantes dos usuários dos serviços (pacientes) e de seus familiares. O relatório final da conferência foi publicado pelo Ministério da Saúde e adotado como diretriz oficial para a reestruturação da atenção em saúde mental no Brasil. São estabelecidos ali dois marcos conceituais: atenção integral e cidadania. Segundo essa referência, são desenvolvidos o tema dos direitos e da legislação e a questão do modelo e da rede de atenção na perspectiva da municipalização.
Ainda na perspectiva da ampliação do escopo do movimento, é instituído o dia 18 de maio como Dia Nacional da Luta Antimanicomial, visando a potencializar o poder de aglutinação de maiores parcelas da sociedade em torno da causa. Finalmente, a própria questão das estruturas de cuidado ganha outra abordagem: não se trata de aperfeiçoar as estruturas tradicionais (ambulatório e hospital de internação), mas de inventar novos dispositivos e novas tecnologias de cuidado, o que exigirá rediscutir a clínica psiquiátrica em suas bases. Substituir uma psiquiatria centrada no hospital por uma psiquiatria sustentada em dispositivos diversificados, abertos e de natureza comunitária ou 'territorial', esta é a tarefa da reforma psiquiátrica.
De acordo com o coordenador de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, Rafael Bernardon Ribeiro, os direitos estabelecidos pela lei são fundamentais, pois têm balizado as práticas da atenção e da organização da rede de saúde mental no país, de forma a garantir o melhor tratamento no SUS de acordo com as necessidades de cada paciente.
Os Naps e Caps são definidos como "unidades de saúde locais/regionais que contam com população adscrita pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar em um ou dois turnos de quatro horas, por equipe multiprofissional". Pela regulamentação legal, devem oferecer os seguintes atendimentos: individual; grupos (psicoterapia, grupo operativo, oficina terapêutica, atividades socioterápicas, entre outras); visitas domiciliares; atendimento à família e "atividades comunitárias enfocando a integração do doente mental na comunidade e sua inserção social" (Ministério da Saúde/Brasil, 1994).
Humberto Costa - A drogadição [toxicodependência] e o alcoolismo dependem de vários fatores, que são endógenos ou mesmo genéticos, passando por questões culturais e sociais. E como tal estas questões podem ter abordagens distintas. Há pessoas que conseguem bons resultados com terapias individuais, outras, com o uso de medicações; outras, em terapias de grupo, com grupos de autoajuda como os Alcoólicos Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA). E há outras pessoas que também atingem bons resultados com o apoio de estruturas de grupos religiosos ou igrejas. Não podemos descartar nenhuma alternativa. Mas entendo que em primeiro lugar temos que ter o direito das pessoas acessarem estudos científicos, as ações do sistema de saúde propriamente ditas. E de um outro lado, podem ter acesso a outras instituições que podem ajudar. Defendo inclusive que as comunidades terapêuticas possam ser um instrumento nesse tipo de enfrentamento. Não o único e nem o principal. Defendo que não podem ser consideradas espaços de atenção à saúde. Nesse sentido, seu financiamento tem que se dar por recursos da assistência social ou outras áreas. E não podem exercer ações de atendimento à saúde. Precisam ter uma articulação com o sistema de saúde para, eventualmente, recorrer ao sistema para situações de crise. Elas não podem sob nenhuma hipótese ser um espaço de restrição da liberdade das pessoas. Portanto, defendo sim que devem receber apoio e funcionar, mas dentro do limite estrito que pode ser uma ação de suporte social e religioso, não como uma ação de atenção à saúde.
O Programa de Caps do município pode ser considerado bem-sucedido até o momento, não dá mostras de que recuará e já permite algumas reflexões visando ao seu aperfeiçoamento. Os Caps do Rio, de modo geral, não trabalham com a exigência de responsabilidade plena perante o território (que, como vimos, caracteriza os Naps), mas em termos de 'clientela eletiva' e 'não eletiva' (indicada para os Caps versus indicada para outros serviços) e com um limite máximo de vagas. No entanto, a experiência concreta desses primeiros anos tem levado os Caps à condição de serviço global de referência indiscriminada de saúde mental em suas regiões.
Ao todo, são 65 unidades de acolhimento no país, segundo o Ministério da Saúde. A estrutura oferece cuidados contínuos de saúde, com funcionamento 24 horas por dia, em ambiente residencial, para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Atende pessoas que apresentam acentuada vulnerabilidade social ou familiar e que demandam acompanhamento terapêutico e protetivo de caráter transitório.
Foram sobretudo os governos militares que consolidaram a articulação entre internação asilar e privatização da assistência, com a crescente contratação de leitos nas clínicas e hospitais conveniados. O direcionamento do financiamento público para a esfera privada durante o regime militar deixa-se ver, por exemplo, no fato de que entre 1965 e 1970 a população internada em hospitais diretamente públicos permaneceu a mesma, enquanto a clientela das instituições conveniadas remuneradas pelo poder público saltou de 14 mil, em 1965, para trinta mil, em 1970 (Resende, 1987, p. 61). Anos depois, esses números se multiplicariam, mantendo porém uma proporção de 80% de leitos contratados junto ao setor privado e 20% diretamente públicos (Alves, 1999).
A legislação permitiu que todas as pessoas que possuem transtornos mentais ou problemas e necessidades em decorrência do uso de drogas tenham direito a tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) de forma adequada às necessidades. Além disso, possibilitou que essas pessoas sejam tratadas com humanidade e respeito, e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar a recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade.
A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do SUS organiza e estabelece os fluxos para atendimento de pessoas com problemas mentais, desde os transtornos mais graves até os menos complexos. O acolhimento desses pacientes e de seus familiares é fundamental para identificar as necessidades assistenciais, aliviar sofrimento e planejar intervenções medicamentosas e terapêuticas, conforme cada caso. Pessoas em situações de crise podem ser atendidas em qualquer serviço da Raps, formado por unidades com finalidades distintas, de forma integral e gratuita, pela rede pública de saúde.
A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA CONSTITUIU um dos mais expressivos movimentos de transformação na área da saúde no País nas últimas quatro décadas. Inspirada por pensadores críticos ao modelo de atenção psiquiátrica predominante e por experiências com práticas de cuidado inovadoras na área, no plano internacional e nacional, a luta antimanicomial mobilizou numerosos atores na academia, nos órgãos públicos, nos serviços de saúde e nos movimentos sociais. A democratização da sociedade e a reforma sanitária, nos anos 1980, impulsionaram as ideias e as iniciativas de mudanças na área, bem como foram por elas favorecidas, dada a relevância do movimento antimanicomial no âmbito dos processos de luta pela ampliação dos direitos e da noção de cidadania.
Bicho de 7 Cabeças - Filme brasileiro do ano 2000, baseado no livro "Canto dos Malditos", de Austregesilo Carrano. No filme, o jovem Neto (vivido por Rodrigo Santoro) é internado num hospital psiquiátrico depois que seu pai encontra maconha no bolso do seu casaco. No hospício, Neto é submetido a abusos extremos, chegando a uma situação psicológica limite. O filme também aborda como alguns setores sociais, ainda nessa época, percebiam o "comportamento desviante", no que tange às relações familiares. "Bicho de 7 cabeças" ganhou premiações nacionais e internacionais, entre eles os festivais de Biarritz e Cretéil, ambos na França.
Assim, na situação atual da assistência psiquiátrica brasileira, sob a designação hospital-dia podemos encontrar tanto estruturas asilo-vicinais quanto as estruturas de semi-internação descritas na portaria e, ainda, estruturas que atendem plenamente aos requisitos de substituição asilar. Tanto que, nas estatísticas da substituição do manicômio no Brasil, Caps e Naps são contabilizados junto com hospitais-dia, centros de atenção diária (CAD), centros de convivência etc.
No dia 17/5/21, às 20 h, o Conselho Regional de Psicologia de Alagoas promove uma roda de conversa virtual com o tema: As implicações da Psicologia na luta antimanicomial e reforma psiquiátrica.
A assistência às pessoas com transtornos mentais é ofertada de forma integral e gratuita no SUS em todo o Brasil, conforme a necessidade de cada caso. Entre os serviços de referência para acompanhamento, estão os 42 mil postos de saúde da Atenção Primária e os 2.749 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que ofertam acolhimento e tratamento à pessoa com transtorno mental e seus familiares – nesses serviços o cidadão é atendido e, caso seja necessário, é encaminhado para outro serviço especializado.
Em 1978 houve um racha na Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Profissionais denunciaram as condições de profunda degradação humana em que operava a maioria dos hospitais psiquiátricos no país. A crise, em pleno regime militar, levou à demissão da maioria dos denunciantes.