Pouco antes da conversa marcada por telefone, o maestro João Carlos Martins se acomoda no banco posicionado na frente de seu piano. Com luvas biônicas em suas mãos, o músico encosta os dedos nas teclas e escuta as primeiras notas saírem do instrumento, tão harmônicas quanto as que ele tocou pela primeira vez, aos 8 anos.
“Você tem que usar a criatividade”, narra, pontuando as transmissões ao vivo que já fez na quarentena, período que mantém a mesma mentalidade, apesar de se apresentar pela internet. “Toda vez que eu entro no palco, eu sempre digo para orquestra e para mim mesmo que aquele será o concerto mais importante da minha vida”, revela o maestro.
“Para você ter uma noção”, o maestro narra, categórico, “foram 24 operações que eu tive que fazer na vida para manter meu sonho”. Acontece que, sempre muito positivo, ele nunca deixou de acreditar na “trajetória da esperança”. Mesmo após interromper a carreira duas vezes por culpa da Distonia, ele nunca desistiu.
João Carlos Martins: "Esta foto foi tirada pelo meu pai lá em casa quando já tocava um repertório muito difícil aos 10 anos de idade. Por isso a mão direita está toda esticada. Era para alcançar uma oitava" (Foto: Divulgação)
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Após perder grandes amigos durante a pandemia, como a atriz Eva Wilma, falecida em 15 de maio de 2021, o maestro tem certeza que, em momentos de crise, é a música que “une nações, gerações e explica que Deus existe”. E ele espera que, depois que tudo passar, nós tenhamos “um mundo mais humano e mais solidário”.
“Eu sempre acreditei que iria atingir um ponto diferenciado. Mas acho que se eu não tivesse todas as adversidades, eu não teria forjado a minha personalidade”, reflete. “Se, mesmo depois de todos os obstáculos, eu comecei uma carreira como maestro, é porque eu posso dizer que a música venceu na minha vida.”
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“Como de manhã, quando acordava, eu estava muito bem, eu passei a dormir cinco ou seis horas antes dos concertos”, narra João Carlos. “E o público nunca percebeu que eu tinha essa doença. Mas depois eu tive um acidente periférico e meu nervo no braço direito teve de ser operado.” Era apenas mais um obstáculo a ser enfrentado.
Hoje, aos 80 anos, João Carlos já conta com a ajuda de luvas biônicas para conseguir tocar. “Com elas, eu pude encostar os 10 dedos no teclado novamente, depois de 22 anos”, lembra o maestro. Dono de uma confiança enorme na ciência, inclusive, o pianista uniu seus obstáculos com algumas de suas maiores ambições.
“Tudo começou em 1898, quando meu pai nasceu”, conta o maestro. Quando menino, o português José era apaixonado pelo piano, mas após um acidente que lhe tirou um dedo, nunca mais pode tocar. Assim, transferiu o sonho para os seus três filhos. “Em 1948, quando eu tinha 8 anos de idade, meu pai comprou um piano”, lembrou João.
Junto com a estreia internacional, João Carlos também descobriu ter Distonia Focal, condição que lhe garantia movimentos involuntários. Não seria a doença, contudo, que iria afastar o maestro de seu sonho. Assim, ele aprendeu a driblar o próprio cérebro.
Foi assim que a trajetória do maestro no mundo da música ganhou vida. “Eu comecei a estudar e seis meses depois ganhei um concurso tocando obras de Bach. Daí pareceu que eu levava o jeito mesmo. Aos 13 anos comecei a carreira nacional e aos 18 anos comecei a internacional. Tinha que ser”, reflete o artista nascido em São Paulo.
No dia da entrevista, contudo, ele já conta com a voz da experiência, conquistada após décadas de apresentações e uma carreira internacional. São mais de 6 mil programas, como ele chama, tocando na frente de plateias robustas, lotadas de amantes da música clássica. Não é difícil, então, perder a noção do tempo.
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“No piano, cada nota tem que transmitir emoção para o público”, narra João Carlos. “Então essa é a minha luta: tentar unir o corpo e a alma através da arte, da ciência e da esperança. É uma missão de vida, é muito mais do que um objetivo. Hoje, aos 80 anos, quero mostrar para outros idosos que você sempre pode ter esperança no amanhã.”
Com documentários, peças de teatro, exposições e um filme sobre sua vida, João Carlos está se adaptando às novas tecnologias e lembra que foi Alexandre Nero quem o apresentou ao Instagram. Com a chegada da pandemia, o maestro também teve de enfrentar a saudade das plateias, mas viu o momento como um novo desafio.