Vinte anos atrás, o país acompanhou as buscas do advogado Ari Friedenbach pela filha, Liana, até que o desfecho brutal de seu desaparecimento foi descoberto. Ela e o namorado, Felipe Caffé, tinham sido sequestrados, torturados e assassinados quando acampavam em uma região isolada em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo.
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No mês em que completam 20 anos desde o assassinato dos estudantes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, o autor do crime, Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, 36, irá passar a receber atendimento médico e tratamento psicossocial.
"Banditismo existe fora, mas existe também dentro dos quadros do serviço público e nós vamos extirpar esse banditismo. Não é possível isso acontecer sem uma incompetência absoluta ou participação dolosa dos servidores dessa fundação nesta fuga", afirmou Marrey, que afastou o diretor e 20 funcionários da unidade por causa da fuga.
Durante a manhã de hoje, Champinha deve ficar no Centro de Triagem da Fundação Casa localizado no Brás. Ele deve ser apresentado nesta manhã pelo Comando Geral da Polícia Militar e por autoridades da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Em maio de 2007, ele se tornou o primeiro interno da recém-criada UES (Unidade Experimental de Saúde), local altamente vigiado que parece uma prisão —mas não é. Trata-se de um equipamento único no país, destinado a egressos da Fundação Casa que cometeram atos infracionais graves, completaram a maioridade e possuem diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial e laudos de alta periculosidade. Mas o atendimento médico é precário e o acesso aos prontuários é difícil até para os advogados.
Como o acusado não foi julgado pelo crime e, portanto, não lhe foi imposta uma execução penal, ele continua internado com base na medida socioeducativa há quase 20 anos. Para o advogado Bruno Borragine, sócio do Bialski Advogados, se trata de um caso único na Justiça brasileira. "É algo similar à prisão perpétua, o que não existe no Brasil", diz.
Em trecho da decisão pela internação, a Promotoria apontou "o histórico familiar do interditando, que mostrou dificuldade em se expressar; dificuldade na escola, destacando que foi reprovado cinco vezes na terceira série primária até que desistiu; fez uso de drogas, tem uma avó com problemas psiquiátricos; familiares com antecedentes criminais, aos 15 anos submeteu-se a exame neurológico com eletroencefalograma e usou medicamento com prescrição médica", segundo trecho do processo.
Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, de 20 anos, que foi recapturado na madrugada de hoje, após fugir ontem da Unidade 1 do Complexo Vila Maria da Fundação Casa (ex-Febem), ligou para o irmão e pediu dinheiro para sair de São Paulo. Segundo informações do tenente Marcelo Alves da Silva, da Rota, que participou da recaptura de Champinha, a família do detido colaborou para que ele fosse encontrado.
A medida atende a um acordo entre o governo estadual e a Defensoria Pública firmado na Justiça há dois anos, mas formalizado apenas na última segunda-feira (6), quando a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) criou um comitê interdisciplinar para a criação de um plano terapêutico singular aos cinco ocupantes da Unidade Experimental de Saúde, onde o acusado está internado desde 2006.
"A criação da UES era algo totalmente do estado de exceção. Não há sustentação jurídica ou normativa para viabilizar aquele equipamento", diz a psicóloga e professora da PUC-SP Gabriela Gramkow. "Esse equipamento nunca poderia ter nascido. Ele não se sustenta em nenhum princípio de política de saúde mental", resume a pesquisadora.
Com essas informações, dadas pela família de Champinha, a polícia conseguiu detê-lo, ainda na casa da tia de R.. No local, Champinha e R. foram recapturados, por volta das 4h30, e outras quatro pessoas, entre elas a proprietária da casa e um menor de 18 anos, foram detidos para averiguação e encaminhados para o 8º Distrito Policial.
Na época em que foi encaminhado para a Unidade Experimental de Saúde, Champinha já tinha cumprido o prazo máximo de três anos de medida socioeducativa na Fundação Casa —quando cometeu os assassinatos, ele tinha 16 anos.
A decisão foi apreciada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que confirmou a interdição em 2019. Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que o caso está em segredo de Justiça e, por isso, não pode comentar.
Para o defensor Daniel Palotti Secco, autor da ação civil pública que resultou no acordo, nenhum ocupante da unidade teve qualquer acompanhamento psicossocial consistente desde a inauguração. "Todos acabaram ficando encarcerados por anos sem acompanhamento de saúde. É um espaço completamente ilegal e irregular de privação de liberdade de pessoas", diz.
A ideia do governo estadual é transformar a Unidade Experimental de Saúde em equipamento de atendimento a usuários de drogas.
Durante uma coletiva em frente à Unidade 1 do Complexo Vila Maria, da Fundação Casa (antiga Febem), ontem à noite, o secretário estadual de Justiça, Luiz Antonio Marrey, muito irritado, atacou a parte podre de funcionários da Fundação. Em tom exaltado, Marrey afirmou que a fuga do criminoso pode ter contato com a ajuda da segurança da instituição.