Como resultado direto do aumento da temperatura do ar, diz ela, o permafrost está descongelando e "a paisagem está se deteriorando fisicamente". "As coisas estão mudando muito rápido e de uma maneira que os pesquisadores não tinham previsto", acrescenta.
Algumas centenas de castores não mudarão o Árctico, mas estes animais podem estar a dirigir-se para norte, para o Canadá e para a Sibéria, e reproduzem-se depressa. A experiência da Argentina é educativa: em 1946, vinte castores foram propositadamente introduzidos no Sul para promover o comércio das peles. A população actual é de cerca de cem mil animais.
A partir da última era glaciar, esses prados secos e ricos foram substituídos, na região oriental da Sibéria, por tundra húmida, dominada por musgos a norte e florestas a sul. Entre os principais actores dessa mudança, segundo Serguei Zimov, encontram-se os caçadores humanos que dizimaram as manadas de grandes herbívoros, há cerca de dez mil anos. Sem herbívoros que fertilizassem o solo, a erva murchou. Sem erva para absorver a água, o solo tornou-se mais húmido. Musgos e árvores invadiram a paisagem. No entanto, se os seres humanos não tivessem explorado o ecossistema para lá do ponto de viragem há milhares de anos, ainda haveria mamutes a pastar na Sibéria.
Há quase 25 anos, nas terras baixas junto de Cherskiy, Serguei criou um projecto de demonstração com 144 quilómetros quadrados, chamado Parque do Plistocénico. A sua ideia era trazer os grandes herbívoros de volta e verificar se eles trariam consigo as pradarias. Ele e, mais tarde, Nikita, cercaram cavalos selvagens e mandaram vir iaques e ovelhas do lago Baical, a bordo de carrinhas. Na Primavera passada, Nikita trouxe 12 bisontes da Dinamarca. Em 2018, a família Zimov juntou esforços com o geneticista George Church, da Universidade de Harvard, que acredita que um dia conseguirá clonar um mamute. Talvez estes animais, actualmente extintos, venham a caminhar um dia pelo Parque do Plistocénico.
Nikolai e Svetlana Yaglovsky, um casal autóctone, ainda subsistem a caçar e a pescar no Kolyma, junto de Cherskiy. Alguns vizinhos foram obrigados a mudar-se para a cidade. O degelo do permafrost ameaça casas à beira-rio e torna a paisagem mais difícil de navegar.
CENÁRIOS DO DEGELO: 1. Tundra em Chamas - Os incêndios na tundra, outrora raros, são mais comuns à medida que o aquecimento global torna o Árctico mais verde. Os incêndios derretem a camada superior do solo e deterioram o solo permanentemente gelado que se encontra por baixo. 2. Deslizamentos - Quando o permafrost descongela junto de uma encosta, um riacho ou um rio, poderá desencadear um deslizamento de terras, expondo rapidamente mais permafrost e acelerando o processo de degelo. 3. Alargamento dos Lagos - Lagos que congelavam por completo no passado ficam agora parcialmente líquidos no Inverno e aumentam de tamanho quando o permafrost descongela. O calor permite que os micróbios se alimentem de matéria orgânica ao longo do ano, libertando gases com efeito de estufa. 4. Represas de Castores - Cada vez mais quente, a tundra tem mais e maiores arbustos. Estes atraem castores, que represam os riachos, criando lagoas e lagos, acelerando assim o desaparecimento do permafrost e alterando a paisagem.
O “degelo abrupto”, como os cientistas designam este processo, muda toda a paisagem. Desencadeia deslizamentos de terras. Na ilha de Banks, no Canadá, os cientistas puderam documentar que as derrocadas de grande escala aumentaram 60 vezes entre 1984 e 2013. O degelo abrupto derruba florestas. Há 15 anos que Merritt Turetsky, ecologista da Universidade de Guelph, monitoriza o degelo abrupto numa floresta de abetos negros nos arredores de Fairbanks. Ela descobriu que, neste local, as cheias estão a desestabilizar raízes e troncos de árvores. Merritt suspeita que todas as árvores da sua “floresta bêbeda” cairão em breve e serão engolidas por novas zonas pantanosas. “Ainda há pequenas bolsas de terra, mas temos de atravessar alguns sítios muito húmidos para lá chegar”, disse.
Serguei Zimov chegou pela primeira vez a Cherskiy na década de 1970, como estudante universitário para colaborar no levantamento cartográfico de uma expedição. Regressou anos mais tarde e fundou a Estação de Ciência do Nordeste, inicialmente sob os auspícios da Academia Russa das Ciências. Serguei é agora o seu proprietário e gere-a com o filho, Nikita. É uma operação improvisada, com um orçamento limitado e equipamento em segunda mão. No entanto, a estação atrai cientistas interessados no Árctico, oriundos de todo o mundo.
O parque é o derradeiro teste à hipótese de Serguei Zimov e, espera ele, uma protecção contra futuras alterações climáticas. Os prados, sobretudo quando cobertos de neve, reflectem mais luz solar do que a floresta escura. Os herbívoros pisam a neve espessa, permitindo que o solo liberte calor. Ambas as acções arrefecem a terra. Se os animais selvagens conseguirem restaurar os prados, poderão abrandar o degelo do permafrost e, por conseguinte, as alterações climáticas. Contudo, para fazer mesmo a diferença, teríamos de libertar o equivalente a jardins zoológicos inteiros de animais em milhões de hectares do Árctico.
Durante milhares de anos, aldeãos inupiat da vertente norte caçaram baleias. Uma única baleia pode alimentar uma comunidade durante grande parte de um ano se a carne e a gordura forem devidamente armazenadas, o que tradicionalmente é feito em grutas escavadas no permafrost. À medida que este descongela, porém, as grutas de gelo estão a ficar inundadas.
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As temperaturas do solo permanentemente gelado de todo o mundo estão a subir há meio século. O degelo localizado do permafrost, sobretudo em aldeias onde o crescimento urbano perturba a superfície, permitindo a penetração de calor, já provocou a erosão de orlas costeiras, afectou estradas e escolas, destruiu canalizações e fez desabar grutas onde os caçadores do Árctico armazenam carne de morsa e gordura de baleia. Os verões quentes já estão a mudar a vida dos habitantes do Árctico.
Os Zimov são diferentes. Passaram a vida inteira a combater uma paisagem inclemente que recompensa a obstinação. A tentativa de salvar o permafrost restaurando a estepe árctica será assim tão mais louco, perguntam, do que esperar que os seres humanos reformulem completamente o sistema de energia mundial? Talvez precisemos mesmo de uma loucura.
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O que é permafrost? O permafrost ou pergelissolo, é característico da região do ártico, composto por terra, rochas e gelo permanentemente congelado. No entanto, com o aquecimento do planeta, esse gelo está derretendo, o que causa problemas graves de instabilidade do solo, como erosão e desmoronamentos.
Poucas pessoas compreendem melhor esta ameaça do que Serguei Zimov. Num posto de investigação periclitante instalado na aldeia garimpeira de Cherskiy, a cerca de três horas de lancha motorizada de Duvanny Yar, Serguei passou décadas a escavar os mistérios de um Árctico em aquecimento. Enquanto o fazia, ajudou a revolucionar o conhecimento convencional, sobretudo a ideia de que, na era glaciar do Plistocénico, o extremo setentrional era um deserto ininterrupto de gelo e solos finos com vegetação rasteira.