Este Ensaio traz uma reflexão sobre como as desigualdades socioespaciais e as situações geográficas são condicionantes da pandemia da COVID-19 no Brasil, assim como das ações para o seu enfrentamento. A bibliografia de apoio fundamenta os argumentos. Compreende-se a desigualdade socioespacial como processo e condição estrutural de um território marcado por vulnerabilidades herdadas e atualizadas, resultante da relação de exploração, espoliação e opressão no atual período da globalização. Argumenta-se que a pandemia da COVID-19 pode ter repercussões mais graves em contextos de maior desigualdade socioespacial, com aprofundamento sistêmico e duradouro das crises econômica e social nos lugares. Contudo, as ações importam, incluindo as articulações entre diversos grupos, instituições e setores. A análise da situação geográfica contribui para a compreensão do território herdado e das diferentes experiências da COVID-19 indissociavelmente das condições e dos sentidos da ação frente à pandemia, em cada lugar. A situação expressa a tensão entre a liberdade e a condição para a ação. A crise não é apenas sanitária, é um dado do período atual, e a desigualdade se revela como a maior emergência do século XXI.
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A fragmentação das ações em contexto de grande desigualdade tem incentivado inclusive a competição entre estados e municípios por insumos, equipamentos, recursos públicos e doações privadas para atendimento à saúde, assistência social, apoio às atividades econômicas e manutenção das receitas governamentais. Sem coordenação federal, estados e municípios precisam competir em mercados internacionais, marcados pela grande disparidade de preços em função da escassez de oferta e alta demanda por medicamentos e equipamentos necessários para a atenção aos pacientes com COVID-19.
As consequências da pandemia tendem a se agravar nas situações geográficas marcadas por desigualdades, isto é, onde há maior exploração, espoliação e opressão. Os lugares vulneráveis sofrem processos intensos de vulnerabilização com o aprofundamento sistêmico e duradouro das crises econômica, política e social, associadas à crise sanitária da pandemia de COVID-19. Sobretudo, quando não apresentam ações cujos sentidos comunitários e de solidariedade organizados pelos diversos grupos e movimentos “de baixo para cima” se antepõem aos processos de vulnerabilização dos corpos, grupos e territórios.
A narrativa dos primeiros casos revela perversidades cotidianas e banalizadas da vida brasileira. A desigualdade como processo de seletividade espacial e de produção concomitante de abundância, riqueza e conforto de um lado, e de escassez, pobreza e vulnerabilização de outro. Ilustra o sentido da história da pandemia da COVID-19 que tem se geografizado no país e sua seletividade tanto na disseminação quanto na letalidade.
As imbricadas relações entre desigualdade e desenvolvimento são discutidas e analisadas por Marcos Costa Lima e Samuel Spellmann em “Desigualdade global, crise multidimensional e as falácias do desenvolvimento”. A partir dos casos de Brasil e China, os autores evidenciam o caráter multidimensional da crise capitalista e sua relação com a produção de desigualdades. A continuidade da crise capitalista também desafia as noções ligadas às possibilidades de correção do capitalismo e a superação das desigualdades inerentes ao modo de produção pela figura histórica da reforma. Assim, o artigo evidencia processos específicos, mas globais, assinalando suas “impossibilidades sistêmicas” que apontam criticamente para as falácias do desenvolvimento, em projetos que aprofundam as disparidades sociais de toda ordem, ao serviço do grande capital e em detrimento dos trabalhadores. Por fim, os autores indagam se os pressupostos a não interferência e o respeito à soberania dos países, para a consolidação de relações do tipo “ganha-ganha” pode vingar diante das possibilidades de renovação das formas de dependência que marcam a trajetória venezuelana.
Diversas análises têm debruçado sobre as desigualdades expressas pela pandemia no Brasil e no mundo. Neste Ensaio, parte-se da compreensão de que a desigualdade socioespacial é um dos principais condicionantes da pandemia de COVID-19 no Brasil e vai ser expressa nos riscos e nas ações e relações - territorialmente situadas - para o enfrentamento de suas consequências.
Na perspectiva teórica da geografia, o Ensaio faz uma reflexão sobre como os conceitos de desigualdade socioespacial e situação geográfica podem contribuir para o entendimento da difusão da pandemia de COVID-19 no Brasil, assim como da construção de perspectivas e sentidos das ações no seu enfrentamento.
Desigualdade socioespacial compreendida como relação e processo - mais que disparidade - de exploração, espoliação e opressão, acentuando hierarquias, assimetrias e vulnerabilidades herdadas e atualizadas em cada contexto.
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A conjugação de desigualdades socioespaciais e distintas situações geográficas contribui para a compreensão dos condicionantes, assim como para o conhecimento das condições de ação frente à pandemia da COVID-19 no Brasil.
Em “Desigualdade, expulsões e resistências sociais: pensando o local e o global”, Roberto Goulart Menezes, Patrícia Mara C. Vasconcellos, Marina Scotelaro e Rafael Alexandre Mello analisam o processo de desigualdades sociais do período recente do capitalismo histórico com ênfase no acirramento da iniquidade e como ela impacta nos meios de luta dos movimentos sociais. A partir do debate teórico-metodológico sobre desigualdade, lógica das expulsões, novos riscos sociais e suas consequências para a democracia contemporânea, eles avaliam como os movimentos sociais têm lutado contra a desigualdade e a retirada de direitos, por meio de novas formas de articulação, manifestação e formação de movimentos antissistêmicos. Eles demonstram como o local e o global se entrelaçam na dinâmica das desigualdades e a luta dos diferentes movimentos sociais bem como apontam alguns dos principais desafios para que os movimentos recuperem sua capacidade de promover a emancipação social.
Já o artigo de Manuela Boatcă, intitulado “Desigualdades globais: filiações teóricas e críticas radicais”, demonstra como o tema da desigualdade global já estava presente na obra de Immanuel Wallerstein mesmo antes do tema ganhar espaço nos meios de comunicação e na academia nos últimos 20 anos. Ela argumenta que a abordagem do sistema-mundo de Wallerstein foi fundamental para revelar pontos cegos teóricos e metodológicos da Sociologia e para formular um quadro abrangente para o estudo das desigualdades globais. Ao fazê-lo, antecipou tanto a crítica ao eurocentrismo como ao nacionalismo metodológico, apresentada pelas abordagens transnacionais e pós-coloniais, bem como os debates sobre o aumento das desigualdades globais em várias décadas. Por fim, ela aborda a relação entre a autodefinição da Análise dos sistemas-mundo como forma de protesto contra a ciência social dominante (e não como uma teoria) e as filiações teóricas e políticas com abordagens pós-coloniais e decoloniais, a fim de mostrar como elas contribuíram em conjunto para a identificação das desigualdades globais como um tema.
Riscos e agravos da pandemia não são apenas condicionados pela pobreza ou falta de serviços de saúde, mas, sobretudo, pelas desiguais condições de risco, proteção e cuidado em todas as dimensões da vida. Revelam a perversidade das seletividades geradoras de desigualdades e injustiças. Estratégias de ação no sentido comum, solidário e de proteção social visando a reduzir vulnerabilidades mostram que a superação desta pandemia e de suas consequências depende fundamentalmente da decisão pelo enfrentamento das desigualdades socioespaciais em múltiplas escalas - local, regional, nacional e global - e da compreensão e do conhecimento das condições para o agir. Por isso, mesmo em condições desiguais, estruturais e herdadas, as decisões e as ações importam, sobretudo, quando realizadas de forma articulada entre diferentes grupos, instituições e setores.
As relações econômicas entre a Venezuela e a China são apresentadas por Elsa Sousa Kraychete e Gustavo Melo Novais da Encarnação no texto “Relações sino-venezuelanas no século XXI: desenvolvimento com dependência?”. Partindo de uma perspectiva histórica sobre as tentativas e os impasses de governos venezuelanos, implementar políticas de desenvolvimento com a constituição de cadeias produtivas que contribuíssem para o desenvolvimento integrado internamente, o texto apresenta a intensificação, nas últimas décadas, das relações entre os dois países, que tem por base o abastecimento de petróleo, sem, no entanto, se limitar à obtenção de recursos energéticos. Por fim, o texto indaga se os pressupostos da não interferência e o respeito à soberania dos países, para a consolidação de relações do tipo “ganha-ganha”, que norteiam a política externa do país asiático, nos marcos das atuais relações sino-venezuelanas, contribuem para reorientar sua trajetória na busca do desenvolvimento ou apenas redefine a dependência que marca o país latino-americano?
Agradecemos a acolhida da proposta do dossiê pela Caderno CRH . A professora Iracema Brandão (editora) e a Dôra (secretária) nos ajudaram em todo o processo de elaboração desta edição. Somos muito gratos pela paciência, confiança, generosidade e profissionalismo com que conduziram os trabalhos. Também agradecemos a cada um/a das autoras e autores bem como as/os pareceristas e os revisores/as. À Fernanda e a toda equipe da Tikinet pelo primoroso trabalho e pela celeridade no processo de revisão que muito contribuíram para a qualidade final dos textos desta edição. Registramos também o nosso agradecimento à Editora Brill, que autorizou a publicação em português do texto da professora Saskia Sassen, e à revista Socio por permitir a tradução do artigo da professora Manuela Boatcă. Um agradecimento especial também ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Estudos Comparados sobre as Américas (PPGECsA) da Universidade de Brasília pelo auxílio financeiro que muito ajudou na publicação deste dossiê. Esperamos que este dossiê contribua para o aprofundamento do conhecimento, problematização e crítica da realidade social contemporânea acerca da desigualdade global e suas interfaces com o desenvolvimento.
As condições são muito desiguais e os sentidos das ações estão em disputa no contexto da pandemia. A saída humanitária, solidária e menos desigual tem sido construída desde os lugares mais vulnerabilizados por meio de articulações entre movimentos sociais organizados ou espontâneos, Estado, empresas e demais instituições públicas e privadas. Construção que envolve articulações em diversas frentes e escalas de ação no Brasil e no mundo.
Desde 2008, os estudos sobre as desigualdades, tanto nacional como global, ganharam novo ímpeto. Uma parte importante da literatura tem sido dedicada a explicar a natureza política e econômica das desigualdades dentro das nações e como elas debilitam as democracias e tolhem o pleno exercício da cidadania, bem como a proposição de estratégias para transformar essa realidade brutal. Entre as questões abordadas nessa literatura estão, entre outras: a relação entre democracia e desigualdade, desigualdades e ascensão de plataformas da direita radical, desigualdade global e desenvolvimento, o empobrecimento das classes médias e a perda de status social, a polarização social, o aumento dos rendimentos do capital em detrimento do trabalho, as desigualdades de gênero, desigualdade e racismo e as desigualdades ambientais.
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Nesse sentido, você percebe as desigualdades da sociedade quando olha as imponentes residências (em áreas nobres da sua cidade) e barracos de madeira (nas favelas). Portanto, falar em desigualdade social é destacar as diferenças de estilos de vida entre pessoas ricas e pessoas pobres.
Umas das consequências mais graves são a pobreza, a miséria e a favelização. Ademais, a desigualdade social traz: Fome, desnutrição e mortalidade infantil, Aumento das taxas de desemprego.
Causas e Consequências Falta de acesso à educação de qualidade; Política fiscal injusta; Baixos salários; Dificuldade de acesso aos serviços básicos: saúde, transporte público e saneamento básico.
Resposta. Falta de investimento nas áreas sociais, em cultura, em assistência a populações mais carentes, em saúde, educação; Falta de oportunidade de trabalho.
“O Brasil vem de uma construção escravocrata, onde algumas pessoas valiam mais que as outras. ... Além disso, outras questões importantes que explicam a extrema desigualdade brasileira, além do racismo estrutural, são as desigualdades de gênero e de renda, explica Katia Maia.