Atualmente, o Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia de covid-19 em todo o mundo: são mais de 2,5 milhões de casos confirmados e cerca de 90 mil mortes, segundo dados divulgados pela Universidade Johns Hopkins (EUA) até 30 de julho. Contudo, por mais que se trate de uma situação rara, não é a primeira vez que nosso país é severamente afetado por uma doença em grande escala.
O modelo rockfelleano se beneficiou ainda com a "prova de proteção", que começou a ser usada em 1928. O método possibilitou o diagnóstico retrospectivo da febre amarela mediante a realização de teste de neutralização em macacos e camundongos utilizando soro de paciente suspeito de ter sido acometido pela doença4. Os dois métodos sustentaram a realização de um grande inquérito epidemiológico no país, finalizado em 1937, que permitiu a construção de mapas para reconhecimento da extensão e peculiaridades da doença, tornando possível a estruturação do perfil do novo programa de enfrentamento da febre amarela. O Serviço de Viscerotomia foi uma das ferramentas de maior utilidade para a identificação do caminho do vírus amarílico na selva, ao lado da realização de estudos de imunidade na população humana e de animais silvestres13.
Dessa forma, a enfermidade era vista como a grande vilã do País, porque atacava tanto o campo quanto a cidade e afetava o comércio de café, que era muito importante. Na época, não se sabia que doenças como essa poderiam ser causadas por um vírus nem que a febre amarela era transmitida por um mosquito, e não entre pessoas.
Em fins do século passado, as controvérsias sobre a etiología e profilaxia da febre amarela opuseram médicos que defenderam teorias concomitantes ou sucessivas, muitos deles oriundos da América Central e do Sul, outros de instituições européias e norte-americanas. Estes últimos foram chamados a ou se arrogaram ao direito de controlar os resultados obtidos pelos concorrentes sul-americanos.
A ocorrência de casos de febre amarela em humanos geralmente é precedida da transmissão entre macacos e vetores silvestres, e, sendo assim, a informação sobre morte desses animais constitui-se em um sinal de alerta precoce para desencadeamento de medidas de controle. A vigilância de epizootias é vista como um componente importantíssimo a ser desenvolvido em todo o território nacional, incluindo áreas sem registros de febre amarela, onde há presença do vetor silvestre47. Diversas localidades podem apresentar coberturas vacinais baixas, além de falta de informação para a população e profissionais de saúde, podendo resultar no reconhecimento tardio de casos da doença com potencial de disseminação epidêmica. O modelo de vigilância utilizado é do tipo passivo, em que a investigação é iniciada a partir da notificação de morte ou adoecimento de primatas não humanos.
Uma ferramenta que pode ser usada como marcador epidemiológico de risco é o Normalized Difference Vegetetion Index (NDVI), uma medida de biomassa de vegetação. A literatura relata várias aplicações desse índice como indicador de risco de aumento da população de determinados vetores52,53,54,55,56,57,58. Se for possível estabelecer uma relação entre fatores ambientais e o risco de epidemias, poder-se-ia mapear as áreas de risco de forma mais acurada, para orientar as medidas de prevenção e controle.
Palavras chaves: Febre amarela; história da medicina; saúde pública; vacina contra febre amarela; vigilância epidemiológica.
Para atingir os objetivos propostos, estabeleceu-se uma definição de caso suspeito baseada em recomendações da OMS34 para os países pan-americanos: "Paciente com quadro febril agudo (há menos de 7 dias), de início súbito, acompanhado de icterícia e que apresente pelo menos um dos seguintes achados clínicos e/ou laboratoriais: sinal de Faget, manifestações hemorrágicas (epistaxe, gengivorragia, hematêmese, melena e hematúria), dor abdominal alta, albuminúria, oligúria" 34. Essa definição foi posta em prática em todo o país, mas era específica demais para captar os casos frustros ou assintomáticos situados na base da pirâmide da febre amarela e que representam cerca de 70% de todos os casos ocorridos durante um surto35.
A identificação da suscetibilidade de camundongos e de macacos rhesus (Macaca mulatta) ao vírus da febre amarela foi um fator decisivo para as primeiras tentativas bem sucedidas em produzir uma vacina de vírus vivo4.
Como último ponto, é necessário apreender que a educação em saúde, sempre mantida à margem do Programa de Vigilância e Controle da Febre Amarela, constitui em um mecanismo importante do mesmo, onde deve ocupar uma posição central. Ela deve ser vista como uma necessidade da população de compreender a base científica do programa com vistas a mudar sua conduta em relação à prevenção.
Apesar de toda angustia e medo que causava na sociedade, documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que, aos olhos de políticos da época, a gravidade da epidemia era minimizada e muitos deles negavam sua realidade.
Naquele ano, em um discurso no Palácio Conde dos Arcos, sede do Senado no Rio de Janeiro, o senador e ex-ministro mineiro Bernardo Pereira de Vasconcellos afirmou que a enfermidade não era tão temida assim, chegando a colocar em dúvida sua real gravidade.
Esses resultados levaram o Ministério da Saúde a rever o sistema de vigilância, investigação, análise e classificação dos casos, passando a revisá-los sempre em conjunto com um comitê de especialistas formado em 2009, visando apoiar o desenvolvimento do sistema, minimizar o risco de especulação da qualidade e segurança do imunobiológico e aprimorar o monitoramento.
In the past, yellow fever was a major scourge for the Brazilian population, one of the most dramatic public health problems in the country. Brazilian government has invested and achieved a major technical and scientific development, which finally led to the eradication of the urban transmission of the disease in Brazil, in 1 942, and influenced the campaign to eliminate Aedes aegypti in the Americas, in 1 958. The eradication of sylvaticyellow fever is impossible because it is a zoonosis of wild animals and Aedes aegypti has become widely spread in Brazil since the discontinuation of the continental elimination program; therefore its re-emergence in urban areas is a current threat. Although advances in medical sciences have not impacted on the disease's therapeutics in a specific manner, the development of the yellow fever vaccine has allowed its control, and has reduced the transmission levels of its sylvatic type to humans. This reduction and the combat against its urban vector have prevented the circulation of this virus in urban human populations in the Americas. This article casts a glance at the different ways this important public health problem has been confronted since its introduction to the Brazilian territory. It also covers the technical and scientific bases that underlie the actions at different moments of the past, the current status and the prospects for its control. Finally, it aims to analyze the evolution of the surveillance network of yellow fever in Brazil.
O Sistema de Vigilância da Febre Amarela (SVFA) foi reestruturado em 1998, com o estabelecimento de diretrizes e normas para o controle da doença no país. A partir daí, foram definidos os seguintes objetivos básicos do SVFA, conforme o Manual de Vigilância Epidemiológica de Febre Amarela33:
A era Oswaldo Cruz, nos primeiros anos do século XX, foi marcada pela ousadia e força da "polícia sanitária" (Figura 3). A transmissão da doença já havia sido profundamente estudada por Finlay em Cuba6, que formulou a hipótese da transmissão pelo mosquito Stegomyia fasciata (conhecido atualmente como Aedes aegypti). Em continuidade aos estudos de Finlay, a Comissão Reed7 comprovou a transmissão de um agente etiológico após a filtração do sangue em voluntários humanos; Emílio Ribas8 também investigou a transmissão pelo mosquito durante seus estudos de uma epidemia em Sorocaba, interior do Estado de São Paulo.
Assim, em 1691, visando controlar a primeira epidemia de que se tem notícia em território brasileiro, foi posta em prática a primeira campanha profilática no Novo Continente, elaborada por João Ferreira da Rosa, médico português, e executada pelo Marquês de Montebelo, Governador da então Capitania de Pernambuco. Embora utilizando bases técnicas equivocadas, a "ditadura sanitária", operacionalizada mediante ações direcionadas para a segregação dos doentes, purificação do ar, das casas, cemitérios, portos, limpeza das ruas e outras1, alcançou o resultado esperado. Essa campanha lançou as bases do modelo das estratégias de vigilância e controle que se seguiriam.
A necessidade de controlar tão grave problema de saúde pública acelerou as etapas do ensaio clínico e, tão logo foi constatada sua capacidade imunogênica, a nova vacina foi testada em 100 voluntários humanos da Fundação Rockefeller, em Nova York1. Em janeiro de 1937 foi trazida ao Brasil por Smith para a realização de pesquisas posteriores. Em março daquele ano, passou a ser fabricada no Instituto Oswaldo Cruz, hoje BioManguinhos e, nesse mesmo ano, foi usada pela primeira vez em larga escala no Município de Varginha, em Minas Gerais, estendendo-se posteriormente para outros municípios recém-afetados pela febre amarela silvestre. Em seis meses foram vacinadas 38.077 pessoas1,4,17. Essa campanha foi um marco em termos de logística, registro, controle e técnicas de vacinação em grande escala.
O enfrentamento da doença foi facilitado pela criação do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, em abril de 1903, cujo objetivo precípuo era eliminar a febre amarela da capital do país, Rio de Janeiro, em quatro anos. As "Instruções para o Serviço de Profilaxia Específica de Febre-Amarela", adotadas em maio daquele ano, regulamentaram e consolidaram a campanha empreendida por Cruz. Com bases técnicas concretas, calcadas no conhecimento sobre a transmissão da doença, e baseando-se, também, na comprovação da não contagiosidade, Oswaldo Cruz muniu-se de plenos poderes para adotar as medidas de controle da doença e direcionou as ações de vigilância e controle para o ponto focal: o mosquito transmissor. O trabalho foi organizado sob forma de campanhas inspiradas na disciplina militar, com os exércitos de "mata mosquitos" entrando nas casas à procura de focos do vetor4.
Zouraide Guerra Antunes CostaI; Alessandro Pecego Martins RomanoI; Ana Nilce Maia ElkhouryI; Brendan FlanneryII