Por Que Os Textos Comumente Encontrados Em Cartilhas So Inadequados Para O Ensino Da Lngua Escrita?

Por que os textos comumente encontrados em cartilhas so inadequados para o ensino da lngua escrita

Este artigo analisa as 19 cartilhas de alfabetização aprovadas pelo Ministério da Educação (MEC) para uso nas escolas públicas a partir de 2010. A análise tem por objetivo verificar em que medida foram cumpridos dois dos aspectos centrais do processo de alfabetização estabelecidos pelo Edital: o tratamento das relações fonema/grafema e o desenvolvimento da fluência de leitura. O artigo contrasta as bases conceituais usadas nas orientações gerais do MEC e nas bibliografias citadas pelos autores com o paradigma da Ciência Cognitiva da Leitura. A análise das atividades propostas nas cartilhas demonstra que menos de 1% das cartilhas ensina a decodificar e nenhuma delas promove a fluência de leitura. O artigo discute as razões pelas quais nem os autores seguiram as recomendações do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) nem as autoridades do MEC abriram mão do requisito pelo qual a não observância do Edital, segundo qualquer um dos critérios, resulta em exclusão. E sugere que as concepções de alfabetização subjacentes às propostas analisadas, contrastadas com o paradigma da ciência cognitiva da alfabetização, podem explicar o entendimento dos autores, mas não explicam o descumprimento ostensivo das recomendações do Edital.

c) Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado.

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Nesse sentido, seja qual for sua opção didático-metodológica, o LDP não pode deixar de atender, sob pena de eliminação do PNLD 2010, a alguns requisitos teórico-metodológicos essenciais

Ler é mais do que decodificar mecanicamente o sistema de signos. Todo leitor, por meio de um processo constante de elaboração e verificação de previsões, ressignifica os sentidos do texto para poder compreendê-lo. Esse processo deve ser ensinado e, para realizá-lo, o aluno não precisa sequer saber ler, desde que a mediação de leitura aconteça por meio de diversas intervenções e estratégias, entre elas a oferta e o estímulo à reflexão sobre variadas linguagens, tanto verbais quanto não verbais (BRASIL, 1997, p. 18).

Os Editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para a elaboração de cartilhas de alfabetização também mantêm essas características. A ênfase na especificação dos itens que devem compor as cartilhas situa-se em relação aos textos a serem usados e a ênfase recai na compreensão, e não no ensino do código alfabético. Mas há menções explícitas a isso, e é nelas que se concentra o foco do presente trabalho.

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Em nenhuma das 19 cartilhas há qualquer atividade relacionada com o desenvolvimento da fluência de leitura nem qualquer menção, nas cartilhas ou manuais do professor, a respeito do conceito ou uso didático de pseudopalavras. Vale lembrar que o Edital do PNLD enfatiza, de maneira explícita, que as cartilhas deveriam incluir atividades de fluência de leitura.

Algumas cartilhas têm a sílaba como unidade. Aquelas que têm a letra como unidade não apresentam atividades que ajudem o aluno a identificar o seu valor sonoro, de maneira explícita e muito menos, de maneira sistemática. Algumas cartilhas apresentam, vez por outra, atividades em que o aluno deve identificar a primeira letra ou a letra comum a várias palavras. Em um caso uma cartilha apresenta um único tipo de atividade em que o aluno deve identificar uma letra (vogal) que torna várias palavras diferentes (lado, lido, lodo). Mas isso também é feito de forma incidental em uma ou duas lições. Apenas duas cartilhas mencionam a palavra "fonema" em seus manuais, e, em ambos os casos, citando documentos oficiais, e não para apresentá-los ou tratar de seu ensino.

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Por exemplo, ao ouvir ou falar a palavra boneca, (o aluno) deve perceber que esta palavra é formada de três partes; que cada parte é constituída de determinados sons que, na escrita, devem ser representados por suas letras, independentemente de saber a palavra ou saber que quais letras a forma. Tal capacidade é construída a partir de atividades que estimulam a identificação tanto dos sons das palavras faladas/ouvidas, quanto das letras que representam esses sons.... Enquanto discrimina sons e letras, o alfabetizando aprende o traçado das letras e escrita das palavras [...] (CEREJA; MAGALHÃES, 2009, p. 22).

This paper analyzes the 19 primers approved by MEC/PNLD for use in public schools from 2010 onwards. The purpose of the paper is to assess the extent to which the authors of the primers complied with two requirements established in the Terms of Reference concerning the central aspects of learning to read: decoding and reading fluency. The paper compares the conceptual basis proposed by MEC and the references used by the authors with the paradigm of the Cognitive Science of Reading. The analysis of the primers reveals that less than 1% of the activities are related to decoding and there are no activities to promote reading fluency. The paper suggests a hypothesis to explain why the authors did not comply with the requirements and why the MEC authorities did not enforce these requirements. The paper also suggests that the underlying ideas of teaching and reading in the books approved by MEC, when compared with the paradigm of the Cognitive Science of Reading may explain the author's interpretation of the Terms of Reference but does not explain the explicit violation of its requirements.

[...] para que a leitura e escrita possam ser objeto de leitura de mundo e transformação da realidade é preciso que as compreendamos como um objeto social por excelência e a alfabetização como a inserção da criança na cultura letrada, com sua variedade de textos. [...] Partimos da premissa de que aprender a escrever não é simplesmente aprender a codificar sons em sinais gráficos, assim como aprender a ler não é simplesmente decodificar sinais gráficos em sons. Aprender a ler e escrever significa compreender as leis internas que organizam cada um desses sistemas em particular.

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Essa proposta orienta-se em diferentes situações que envolvem a língua oral e a língua escrita de forma mais geral. Nesse sentido, apresentamos algumas formas de reflexão, observação e sistematização do trabalho com a linguagem, levando-se em constatação tanto as convenções relativas à direção da escrita e as diferenças existentes em relação ao registro das letras, quanto à construção de algumas regras ortográficas e o trabalho de sistematização que deve estar presente no processo inicial de alfabetização (MIRANDA; RODRIGUES, 2009, p. 4).

A resposta a ambas as perguntas, válida para as 19 cartilhas, é negativa. Isso se deve à concepção das cartilhas: elas são feitas para serem lidas pelo professor. E as respostas devem ser dadas "com a ajuda" do professor - pelo menos até que o aluno descubra o funcionamento do código alfabético e aprenda a escrever.

Cabe notar que, desde a publicação original dos PCNs, não houve mudança significativa nessas bibliografias. Da mesma forma, são raros os livros publicados pelas editoras que disseminam as ideias relativas ao novo paradigma da alfabetização.

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[...] no caso de o LPD recorrer a mais de um modelo didático-metodológico, justificar o arranjo proposto e indicar claramente a articulação entre seus componentes [...] relacionados ao letramento e à alfabetização que demandam, por sua natureza diversa, tratamentos didáticos específicos.

Com base na revisão da literatura e numa análise preliminar de cada cartilha, elaboramos uma grade de referência para identificar a presença e incidência, nas cartilhas, dos componentes mais relevantes do processo de alfabetização. Como a maioria das cartilhas apresenta uma estrutura uniforme, em que cada lição apresenta grupos de atividades bastante semelhantes, escolhemos uma lição - normalmente a terceira lição, como base para análise. Cada cartilha foi examinada por dois dos três avaliadores que participaram do trabalho de análise. Em caso de discordância quanto ao critério, a análise foi revista conjuntamente pelos três autores, até se atingir o consenso.

Sobre essa questão (alfabetizar letrando) Magda Soares esclarece: 'letramento é o estado ou condição de quem não só sabe ler e escrever, mas exerce as práticas sociais de escrita que circulam na sociedade em que vive, conjugando-as com as práticas de interação oral [...]'. Os mesmos autores afirmam que "ler é compreender (MIRANDA; RODRIGUES, 2009. p. 7).

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A análise também deixa claro que há um fosso entre as concepções e práticas adotadas no Brasil e as conclusões e recomendações da Ciência Cognitiva da Leitura. O fato de que nenhum autor ou obra relevante desse paradigma seja citado sugere a existência de um bloqueio de natureza ideológica, pois não é razoável admitir que as autoridades do MEC, a comunidade acadêmica e os autores das cartilhas ignorem a existência dessa literatura. O não reconhecimento e a omissão dessa literatura, portanto, só podem ocorrer de maneira intencional e propositada. Trata-se de uma convicção segmentada em documentos oficiais e imune, portanto, a questionamentos, inclusive argumentos baseados em evidências científicas.

Há mudanças sutis na forma de apresentação dessas ideias nos dois Editais. Em 2008 é mais forte a ênfase em sugerir atividades de alfabetização propriamente dita em relação a atividades de letramento. Em 2010, insiste-se mais em tratamentos didáticos específicos e se fala em fluência de leitura e escrita.

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as atividades devem ser, portanto, planejadas de modo que a criança seja instigada a escrever mesmo sem grafar convencionalmente. Para isso, os conhecimentos prévios que possui acerca da escrita serão valiosos para a formulação de suas hipóteses (BRASIL, 1997, p. 9 apud ESPI; ARAÚJO, 2009, p. 7).

Há pouca menção a outros aspectos relevantes que devem acompanhar um programa de alfabetização. Apenas um Manual fala a respeito de caligrafia, conforme já citado anteriormente, ao dizer que a caligrafia pode ser ensinada, eventualmente. Outro fala a respeito de ditado, recomendando o uso de ditado acompanhado com a elaboração de regras pelos próprios alunos.

a aprendizagem deixa de estar centrada nos processos de codificação e decodificação do sistema. De acordo com estudos e pesquisas recentes, 'aprender a ler' envolve decifrar o texto escrito e interpretar e compreender os textos de diferentes gêneros e 'aprender a escrever' envolve grafar o escrito, estabelecer a correspondência entre letra e som e produzir textos de diferentes gêneros.

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Partimos da premissa que aprender a escrever não é simplesmente aprender a codificar sons em sinais gráficos, assim como aprender a ler não é simplesmente decodificar sinais gráficos em sons. Aprender a ler e a escrever significa compreender as leis internas que organizam cada um desses sistemas em particular. [....] Para compreender o sistema de escrita, a criança precisa usar diferentes recursos. Inicialmente, apoiar-se em palavras cujo sentido conheça e cuja escrita saiba de memória possibilita que, com base nelas, estabeleça relações e escreva novas palavras. Por exemplo 'como escrevo caminho? Ah! É com o ca de Camila!". "Como termina natal? Ah! é como Juvenal"

De longe, os textos mais citados para justificar porque a questão de métodos de alfabetização é irrelevante são os de Magda Soares (2004, p. 8-9) e o de Batista (2006), dos quais extraímos alguns trechos:

Entendemos que o trabalho com a alfabetização implica uma perspectiva mais ampla - a do letramento. Entendemos que o termo "alfabetização" refere-se fundamentalmente ao campo da Pedagogia, uma vez que diz respeito à ação de alfabetizar, e, portanto, ao processo escolar de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita, o que significa dizer, que, de um lado, esse processo sinaliza para diferentes formas de ensinar, e, de outro, para diferentes modos de aprender. [...] Assim entendemos o letramento como um modo de proceder diante da leitura e da escrita, ou seja, o estado ou a condição do sujeito que se utiliza dessas habilidades em diferentes circunstâncias práticas e diante de demandas sociais e culturais (MIRANDA; RODRIGUES, 2009, p. 7).

O que é interação na língua portuguesa?

Conforme Travaglia (2000, p. 23) a respeito da linguagem como meio de interação: “O que o indivíduo faz ao usar a língua não é tão somente traduzir e exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mas sim realizar ações, agir, atuar, sobre o interlocutor (ouvinte/leitor).

Qual é a diferença entre a língua e fala?

Qual a diferença entre fala, língua e linguagem? A fala se refere a forma como as pessoas se comunicam oralmente. ... Por sua vez, a linguagem refere-se a toda a forma de comunicação, seja através da fala (verbal) ou mesmo gestos, sons, imagens, etc. (não-verbal).

Qual é a relação entre a língua e a linguagem?

A linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como a pintura, a música e a dança. Já a língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação.