O Passageiro é o mais recente filme daquele que, talvez, seja o último astro do cinema de ação que não se rendeu e nem depende de uma grande franquia. Liam Neeson interpreta, dessa vez, um ex-policial chamado Michael (apesar de mais parecer estar interpretando a si mesmo), que, após a aposentadoria, tornou-se um vendedor de seguros, vivendo uma vida comum no subúrbio com sua mulher e filho. Sua vida tem uma reviravolta, o que resulta em um thriller que parece com uma fusão entre “O Assassinato no Expresso do Oriente” (se tivesse sido dirigido por Hitchcock) e “Busca Implacável” (que talvez seja o título de maior expressão protagonizado por Neeson).
O filme começa apresentando os personagens para que possamos entender um pouco da motivação de cada um deles, principalmente Michael muito bem interpretado por Neeson, que está à vontade no papel, esbanjando a sua ótima forma e se mostrando um dos melhores atores do gênero de ação. Já a atriz, Elizabeth McGovern, faz o papel de sua esposa e a explanação da rotina do casal é um detalhe importante que deixa a história mais rebuscada.
Se, por um lado, algumas dessas empresas estão falidas há anos e, dessa forma, não conseguirão mais sanar suas dívidas, o valor que pode ser recuperado é de até 40% do total – ou seja, ainda superior ao déficit. Números vão, números vêm... e a verdade é que o sistema é falho, a justiça é lenta, a legislação tributária é indevidamente complexa e o governo promove parcelamentos bem flexíveis para os grandes empresários. Não há partidarismo aqui. O fato é que se a Reforma da Previdência é necessária, a culpa não é do trabalhador assalariado, mas, no fim, a proposta é para que ele pague o pato.
Há algum tempo, o Brasil vive o embate ideológico sobre a Previdência Social. Ao mesmo tempo em que se recomenda que o brasileiro trabalhe por mais tempo para se aposentar, abstrai-se mais de 420 bilhões que não foram repassados ao Instituto Nacional do Seguro Social (o INSS) por empresas que são consideradas as maiores do país. Esse valor é aproximadamente três vezes o do tal rombo da previdência.
Porém há falhas pontuais que podem ser percebidas. A inserção de ADR (automated dialogue replacement – que são, em resumo, as vozes do próprio elenco dublando eles mesmos) soa artificial às vezes. O que é muito mais perceptível nas cenas de luta, quando há muito mais gemidos do que palavras. O resultado pode incomodar aos mais atentos.
Tecnicamente competente, a começar pela ideia já comentada da montagem com elipses temporais na introdução, o diretor espanhol Jaume Collet-Serra, que já dirigiu Neeson em outros três thrillers de ação (Desconhecido, Sem Escalas, e Noite sem Fim), investe, a certo ponto, em um plano-sequência que impressiona. Seja pela vitalidade do seu ator principal, seja pela coreografia deste junto a Kobna Holdbrook-Smith (intérprete do músico Oliver), a ausência de cortes (falsa, mas eficiente) fica ainda mais incrível por envolver um trem em pleno movimento – inclusive parte de sua área externa (através de uma janela).
O elenco ainda conta com Patrick Wilson, que vive Alex, o antigo parceiro de trabalho de Michel. A cena do encontro dos dois em um bar mostra o vínculo forte entre ambos, e neste mesmo local também somos apresentados a Joanne (Vera Farmiga), a ex-chefe de Michael, que o oferece o valor de US$100 mil para que ele realize uma missão, aparentemente simples, mas que acaba custando a segurança de muita gente, inclusive a de sua família.
O ponto mais fraco fica por conta do roteiro, que possui diversas falhas e resoluções simples demais, contando com um plot twist que não pega ninguém de surpresa, já que é possível vê-lo chegando a uma distância considerável. A falta de um explicação final sobre o motivo do porquê tudo isso estava acontecendo incomoda, faz perder o sentido da jornada e deixa um vazio grande que poderia ter sido melhor explorado, já que é repetido diversas vezes que há uma grande conspiração, mas ninguém diz do que ela se trata. Não há, também, grandes inovações no enredo pois, além dos clichês do “ex-policial” e da família em perigo, muitos outros gatilhos do longa parecem ter saído diretamente de filmes anteriores do ator, quase como se bebessem de um subgênero chamado “Liam Neeson”.
O mais importante em um filme de ação é, obviamente, aquilo que dá nome ao gênero, e é aí o local de onde podemos tirar os pontos mais positivos do filme, que só conseguem se sustentar por conta da parceria de Liam Neeson com o diretor Jaume Collet-Serra. Apesar de alguns momentos serem absurdos e beirarem a comicidade (algo que parece ser inerente a esse tipo de filme), com CGI exagerado e ruim, as cenas são muito bem dirigidas, algumas lembrando, inclusive, a saga “Bourne”, que explora muito bem combates corpo-à-corpo em locais fechados e apertados, bem como a utilização de itens não convencionais nesses momentos – ver Neeson atacando seu inimigo com uma guitarra é muito satisfatório.
A verdade é que, no final das contas, todos são diferentes espectros d’O Senhor das Moscas: humanos, corruptíveis e susceptíveis ao meio. Em um filme no qual um plot twist (reviravolta do roteiro) envolve a descoberta de que o superego (Murphy) não é lá o melhor exemplo que Freud usaria (sendo, este, o Capitão Hawthorne – vivido por Sam Neil), vale lembrar que mexer com qualquer família de uma personagem de Liam Neeson é o pior que se pode fazer. No caso, esquece-se a premissa e, com ela, tudo o que o primeiro ato abre: o debate previdenciário – que envolve a falência do American Dream (sonho americano) e não a situação brasileira (obviamente) – vira cinzas e até o desemprego se amedronta.
O diretor ainda nos apresenta qualidades no que diz respeito à maneira como enxergamos o filme: inicialmente não pensaríamos que existem tantas maneiras de se filmar um trem, mas Collet-Serra consegue encontrar diversos ângulos e movimentos de câmera para fazê-lo, de modo que conseguimos entender exatamente onde está o quê e como o veículo se comporta. Outra coisa que chama a atenção é a atuação de Neeson, que se encaixa perfeitamente no filme, e está no mesmo nível de sempre, com apenas algumas mudanças que podem ser vistas por conta da idade – algo que é aproveitado nas cenas de ação, já que o personagem (assim como o ator) não possui mais o mesmo vigor de outrora – o que passa uma sensação de veracidade.
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Dessa maneira, pode se perceber mais e mais camadas no filme ao utilizar a literatura sugerida por ele mesmo. Enquanto As Vinhas da Ira trata dos efeitos da Grande Depressão de 1929 (que assolou pequenas famílias de fazendeiros do Oeste americano) através de uma família pobre demitida dos trabalhos com a chegada do progresso, O Passageiro constrói um personagem demitido pelos altos custos da sua experiência. A chegada de profissionais mais novos, ávidos por trabalho e que aceitam ganhar menos acaba por retirar aquele homem do mercado e entregá-lo ao léu. Com 60 anos de idade, demitido e tendo uma família a sustentar, com o filho entrando em uma faculdade, aquele homem cede ao desespero e transforma a sua viagem. Do mesmo modo, Tom Joad (d’As Vinhas da Ira) embarca em uma viagem que, em resumo, acabaria por se comprovar frustrante – mesmo que inicialmente ele possa ter pensando que o fator financeiro recompensaria.
O filme engata quando passamos a acompanhar um recém-desempregado Michael, que se depara com uma mulher misteriosa (Vera Farmiga) sentada de frente para ele no vagão do trem de volta para casa, com quem tem uma estranha conversa sobre um experimento com uma situação hipotética. Ela lhe pergunta se ele localizaria um passageiro dentro do trem, com pouquíssimas informações (sabe-se apenas um nome falso, o fato de que essa pessoa não costuma estar nesse trem e de que está carregando uma bolsa), em troca de 100.000 dólares. Ela deixa de fora, inicialmente, o fato de ter sequestrado a família do protagonista – o que é um incentivo considerável, apesar de clichê, diga-se de passagem. Sem saber do último ponto, Michael acaba aceitando o trabalho, o que levanta a famosa questão de “até onde você iria por dinheiro”.
A montagem com que o filme se inicia não é das melhores, é apenas uma saída simples para estabelecer as bases sobre as quais o personagem será trabalhado. O único ponto dessa introdução que funciona bem é quando vemos os momentos em que Michael está no trem ou nas estações, que faz com que, qualquer pessoa que tenha vivenciado uma situação onde tomava a mesma condução, no mesmo horário, todos os dias, se identifique com o personagem.
Idem o tempo de quatro minutos entre uma estação e outra – ou que o trem permanece na estação. O que se vê, a sério, é um tempo dilatado do trem em movimento e de apenas segundos quando ele para. Fica-se à mercê do id e seu tempo inexistente talvez. Logo não existem regras. Por mais que algo seja dito por algum personagem, fica complicado separar as pistas falsas que são para enganar outros personagens daquelas que estão ali para desviar a atenção do público apenas. Claro, esses desvios impostos ao espectador são artifícios para o filme seguir adiante sem maiores problemas, visto que a intensidade dos acontecimentos acaba camuflando o que há de frágil. Parece covarde e de pouco brilhantismo do bipé roteiro/direção. E é. Por outro lado, essas artimanhas conseguem fazer as quase duas horas e meia serem tão rápidas quanto o trem que ganha ares de Velocidade Máxima ao meio do terceiro e último ato.
A natureza do mal, tão bem explorada pelo escritor através de crianças presas em uma ilha deserta sem a supervisão de adultos, recebe contornos corajosos. Ao mesmo tempo em que, mais à frente, impõe ao Michael MacCauley (Neeson) a solidão dos pensamentos em meio ao caos dentro do trem – ficando o sujeito quase que literalmente ilhado –, surgem personagens representativos o bastante para poderem ser associados a Ralph, Porquinho, Jack, Sam e Eric (todos d’O Senhor das Moscas).
É possível que essa exposição da personagem de Liam Neeson como id também seja uma bem pensada metalinguagem: um ator de 65 anos que faz, de fato, o tempo parecer inexistente. Suas cenas de ação são verossímeis e não é difícil sentir o esforço do ator em executar as coreografias das lutas, que sempre são de igual para igual – mesmo que os adversários tenham visivelmente mais arrojo muscular e obviamente metade da sua idade (inclusive um agente do FBI, interpretado por Killian Scott).
Os figurinos, apesar de um tanto padronizados, cada qual apresenta o básico sobre a personalidade de seus personagens, contudo, o cenário se torna um ponto forte, pois desenvolve bem o conceito limitado e claustrofóbico do trem, aproveitando os vários detalhes do local para complementar a narrativa agitada que predomina durante o filme.
A começar pela abordagem expositiva de clássicos da literatura, o filme é cercado de referências que têm o poder de construir um clima mais denso. Se os livros podem parecer arremessados gratuitamente durante a história, tudo ganha dimensões bem maiores quando se descobre o teor de cada leitura. O Senhor das Moscas (clássico literário do pós-guerra), por exemplo, é inserido no primeiro ato do filme e, nessa análise mais profunda, acaba por ceder a complexidade das relações sociais escritas por William Golding aos personagens que se despontam pouco a pouco.
O Passageiro peca em seus desvios narrativos e para quem já conhece a parceria entre Liam Neeson e o diretor Jaume Collet-Serra pode se preparar, pois esse longa não vai além do que já foi feito pela dupla anteriormente. No entanto, o filme ainda cumpre o que promete, entregando uma boa ação com algumas doses de suspense.