Quem Foi O Mineirinho?

Quem foi o Mineirinho

I am willing to do everything for you; but, my son, tell me one by one all that you need, for I wish to be the intermediary between your soul and God in order to alleviate your ills.

LACAN, J. (1959-1960). O seminário livro 7: a ética da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.         [ Links ]

EM CARTAZ

A ideia de uma força vital, informe e indeterminada, substrato humano mais arcaico e fundamento tanto do mal quanto da virtude, assume as mais variadas figurações metafóricas na obra clariciana. O traço comum em todas elas é sua volatilidade, sua inconsistência material, seu aspecto liquefeito ou energético indefinido. Os textos estão impregnados dessa massa móvel, muitas vezes abjeta, que se encontra na gema do ovo, no chiclete, na massa branca da barata, na geleia viva de uma placenta, entre tantos outros modos de aparição. No texto aqui em questão, soma-se à imagem do radium - que é mais uma das metamorfoses desse núcleo pulsante (pulsional?) - a noção de um perigo iminente, uma ameaça perene que pode pôr tudo a perder.

A year later, in an interview with TV Cultura, Clarice would say: “whatever his crime was, one bullet was enough. The rest was a desire to kill. It was haughtiness.” And in that she was absolutely right. The Diário de Notícias published at the time of the pursuit that the order given was to detain him “at any cost.”

O Estado não pode se confundir com o criminoso. O Estado tem padrões de racionalidade a serem observados. O Estado não deve atropelar garantias fundamentais. O Estado deve alcançar os fins constitucionalmente estabelecidos.

 O Estado não pode se confundir com o criminoso. O Estado tem padrões de racionalidade a serem observados. O Estado não deve atropelar garantias fundamentais. O Estado deve alcançar os fins constitucionalmente estabelecidos.

O trabalho pretende entrelaçar as possibilidades literárias da crônica Mineirinho (LISPECTOR, 1999) com os conceitos psicanalíticos de mal-estar e de segregação, presentes na obra de Freud e no ensino de Lacan, e de comoção e precariedade, em Judith Butler. O que faz com que uma pessoa se comova diante de uma morte? O que está por trás da escolha de uma comoção? Por que Clarice conta os tiros que mataram Mineirinho e uma parcela da população conta os dias da morte de Marielle Franco, enquanto outros, nos dois casos, vociferam que justiça foi feita? Ou que havia motivos para ambos os fuzilamentos? Essas são indagações que guiam um olhar psicanalítico da comoção exposta na crônica Mineirinho, de Clarice Lispector (1999).

A oração continua: “desejas o meu auxílio no teu negócio, queres a minha proteção para restituir a paz na tua família, tens desejo de conseguir algum emprego, queres ajudar alguns pobres, alguma pessoa necessitada, queres a tua saúde ou a de alguém a quem muito estimas? Coragem, que tudo obterás.” A biografia de Mineirinho torna-se muito singular quando lida junto à prece. Conta-se, por exemplo, que os próprios moradores davam guarita a ele quando as caçadas policiais adentravam as labirínticas passagens da favela da Mangueira, onde morava, e era considerado uma espécie de “Robin Hood” carioca. Talvez a mais clara diferença entre o anti-herói inglês e o brasileiro seja a tuberculose da qual o último sofria. Reza ainda a lenda que Mineirinho teria sete vidas. Sete, mas foram treze as balas que lhe atingiram na madrugada daquele primeiro de maio de 1962.

Como enfrentar, então, um texto como "Mineirinho", recolhido como crônica em 1969, mas que pode ser lido como conto, e que tensiona, a partir de uma ocorrência policial verídica, o sentido da justiça e as polaridades irredutíveis do eu e do outro? Será preciso mimetizar o estilo característico da autora, abarcando o texto de forma oblíqua, sugestiva, lacunar, evitando as noções conclusivas e absolutas. Porque ainda que a temática seja explicitamente social - a morte de um marginal carioca em 1962 em tiroteio com dezenas de policiais -, as reflexões do narrador extrapolam as contingências sociológicas e caminham, de forma errante e digressiva, pelos âmbitos mais recônditos da subjetividade.

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Eu não quero esta casa. Quero uma justiça que tivesse dado chance a uma coisa pura e cheia de desamparo em Mineirinho — essa coisa que move montanhas e é a mesma que o fez gostar “feito doido” de uma mulher, e a mesma que o levou a passar por porta tão estreita que dilacera a nudez; é uma coisa que em nós é tão intensa e límpida como uma grama perigosa de radium, essa coisa é um grão de vida que se for pisado se transforma em algo ameaçador — em amor pisado; essa coisa, que em Mineirinho se tornou punhal, é a mesma que em mim faz com que eu dê água a outro homem, não porque eu tenha água, mas porque, também eu, sei o que é sede; e também eu, que não me perdi, experimentei a perdição.

Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.

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A discussão sobre a crônica Mineirinho (LISPECTOR, 1999) remete-nos aos limites simbólicos que separam a vida e a morte, questão que enlaça as políticas do Estado às práticas de segregação social. Será que o argumento de universalidade, no qual se fundamentam as leis do Estado, de fato compreende e protege a multiplicidade de corpos que habitam o laço social? Ou algumas vidas seriam consideradas "menos" vidas e, portanto, não seriam dignas de serem protegidas pelas leis do Estado e pranteadas pela sociedade civil, caso sejam abatidas pela morte?

a primeira lei, a que protege corpo e vida insubstituíveis, é a de que não matarás. Ela é a minha maior garantia: assim não me matam porque eu não quero morrer, e assim não me deixam matar, porque ter matado será a escuridão para mim. (ibidem, p.253)

Porque quem entende desorganiza. Há alguma coisa em nós que desorganizaria tudo - uma coisa que entende. [...] Essa alguma coisa muito séria em mim fica ainda mais séria diante do homem metralhado. Essa alguma coisa em mim é o assassino em mim? Não, é o desespero em nós. Feito doido nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de

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No entanto, a vertente ambivalente dos laços libidinais introduz o problema do encaminhamento da destrutividade, no contexto em que a civilização se define como uma fratria enlaçada pelo amor entre iguais. O "dever ser" e o "dever ter", enquanto marcadores da igualdade, inevitavelmente estabelecem o contraponto especular daqueles que "não são" e "não têm", para onde será endereçado o ódio. Vemos, portanto, o quanto o ideal de igualdade em jogo na justiça social se mostra muito restrito, incidindo apenas sobre o círculo fechado das massas, mas com o custo de estabelecer dialeticamente uma zona externa, de exclusão, em que impera a injustiça. Contudo, como são estabelecidos os limites fronteiriços entre o dentro e fora, entre a massa e o excluído, a justiça e a injustiça? Por que algumas vidas conquistam o estatuto de cidadania, tornando-se dignas do cuidado e da proteção do Estado, e outras não? São esses enquadramentos próprios à psicologia das massas que determinam o fluxo das comoções diante da morte e da vida.

E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta tran­cada. Mas ela está de pé, e Mineirinho viveu por mim a raiva, enquanto eu tive calma.

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Igualmente radical é a visada clariciana, que justapõe a carne singular à abstração numérica ("abstrato" no sentido de uma despersonalização, quantificação do humano que o desqualifica e o massifica). Também a cronista recusa a separação entre ideia e matéria, buscando entrever na morte de Mineirinho, que seria apenas uma estatística a mais nas colunas policiais, uma história de abandono familiar e social ("um filho de quem o pai não tomou conta"), uma trajetória desregrada e desviante, de amor e de loucura, que deságua nos treze tiros finais - obsessivamente repetidos nas notícias de jornal e na própria crônica.

“Agora, volta às tuas ocupações e não te esqueças do que te recomendei; vem sempre procurar-me, porque eu te espero; tuas visitas me hão de ser sempre agradáveis, porque amigo afeiçoado como eu não acharás”. Este é o fim da oração de Santo Antônio.

Inevitável associarmos essa mudez e esse grito silenciado a uma das personagens finais da obra clariciana, Macabéa, protagonista de A hora da estrela. Também ela foi apagada por uma "cidade feita toda contra ela". Periférica e à margem da própria periferia, Macabéa se resguarda na não linguagem, sendo adotada por um narrador que grita por ela. Como diz Lucchesi (1987, p.44), já citado:

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What causes our commotion before death? Why does Clarice Lispector count how many shots killed Mineirinho and part of the population counts the days since Marielle Franco's death? These are questions that guide the psychoanalytical look at the commotion exposed in Clarice's chronicle Mineirinho, when there is an interlacing between psychoanalysis and the literary work. Beyond this approach, there is a search for a relation between the chronicle and the concepts of commotion and precarious life as defined by Judith Butler. There is also a dialogue between what Butler brings and the tragic ethics of psychoanalysis.

Clarice aponta a crueldade no assassinato de Mineirinho e narra o exagero dos treze tiros que atingiram o facínora em oposição à calma noturna dos “sonsos essenciais” que dormem:

Quem é Olga Borelli?

Morreu ontem, de problemas cardíacos, a escritora e produtora cultural Olga Borelli. Secretária de Clarice Lispector por mais de dez anos, ela foi a responsável pela publicação póstuma de "Um Sopro de Vida", da escritora, lançado em 1978.

Qual o nome dos filhos de Clarice Lispector?

Pedro Gurgel Valente

Como Clarice morreu?

9 de dezembro de 1977

Como definir Clarice Lispector?

Clarice Lispector é considerada, junto com Guimarães Rosa, a grande escritora brasileira da segunda metade do século XX, graças ao seu estilo, entre a poesia e a prosa. Uma marca que enchia os detalhes cotidianos de espiritualidade e que se caracterizava por utilizar a primeira pessoa na narrativa.

Quando foi a morte de Clarice Lispector?

56 anos (1920–1977)

Onde morreu Clarice Lispector?

Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Qual era a religião de Clarice Lispector?

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920. Aos dois anos de idade, em 1922, a autora migrou para o Brasil devido à Guerra Civil Russa, que provocou a falência da família de Lispector, assim como por motivos de perseguição religiosa – a família era judia.

Qual era o nome do marido de Clarice Lispector?

Maury Gurgel Valente

Qual era o nome de Clarice Lispector?

Haya Pinkhasovna Lispector

Que tipo de texto Clarice Lispector escrevia?

Clarice Lispector escreveu diversos romances, contos e crônicas durante sua vida. As obras mais conhecidas da autora são: Perto do Coração Selvagem (1943) Laços de Família (1960)

Quem Clarice Lispector?

Clarice Lispector é um dos grandes ícones da literatura brasileira. Nascida em 1920 como Chaya Lispector, chegou ao Brasil nos braços dos pais Pinkhas e Mania em 1922, fugindo da perseguição aos judeus na Ucrânia.

Qual é a principal obra de Clarice Lispector?

Suas principais obras são: “Perto do coração selvagem” (1944), “Laços de família” (1960), “A maçã no escuro” (1961), “A legião estrangeira” (1964), “A paixão segundo G.H.” (1964), “Felicidade clandestina” (1971), “Água viva” (1973) e “A hora da estrela” (1977).

Qual a idade de Clarice Lispector?

56 anos (1920–1977)

Quantos filhos teve Clarice Lispector?

Pedro Gurgel Valente

Em que país nasceu à escritora Clarice Lispector?

Chechelnyk, Ucrânia

Onde Clarice Lispector morava?

Clarice Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920 em Chechelnyk, na Ucrânia. Sua família tinha origem judaica e emigraram para o Brasil em março de 1922, fixando-se na cidade de Maceió, Alagoas.

Qual foi o primeiro emprego de Clarice Lispector?

Três anos depois, transferiu-se com seu pai e suas irmãs para o Rio de Janeiro. Em 1939 Clarice Lispector ingressou na faculdade de direito, formando-se em 1943. Trabalhou como redatora para a Agência Nacional e como jornalista no jornal "A Noite".

Onde estudou Clarice Lispector?

Faculdade Nacional de Direito - FND/UFRJ1939–1943

Quantos prêmios Clarice Lispector ganhou?

PEN Translation Prize

O que caracteriza a escrita de Clarice Lispector?

A obra de Lispector apresenta características intimistas, o indivíduo, com seus questionamentos e sua intimidade, é a peça mais importante. A representação do pensamento não é feita de forma linear, é livre e desordenada. É possível ainda identificar a instrospecção na técnica de desenvolvimento de texto.

Como é a história de Clarice Lispector voltada para a literatura infantil?

Conhecida por visitar a complexidade da existência e dos sentimentos humanos, Clarice experimenta em seus textos considerados infantis uma simplicidade do dizer, que nem por isso deixa de lado sua complexidade essencial. ... O adulto é triste e solitário, mas a criança tem a fantasia. Ela é solta e feliz”.

Qual o primeiro livro de Clarice Lispector?

Laços de Família

O que é epifania retratada nas obras de Clarice?

As narrativas de Lispector costumam retratar situações cotidianas, aparentemente banais, mas que ganham dimensões muito profundas por intermédio de descrições psicológicas complexas e poéticas, marcadas, em geral, pela epifania, processo pelo qual a personagem compreende a essência de algo, vive uma espécie de ...

O que é um momento de epifania?

Também pode significar aparição ou manifestação de algo, normalmente relacionado com o contexto espiritual e divino. Do ponto de vista filosófico, a epifania significa uma sensação profunda de realização, no sentido de compreender a essência das coisas, tendo significado similar ao termo insight.

O que significa ter epifania?

Significado de Epifania [Religião] Revelação do que é divino ou de qualquer divindade. [Religião] Revelação de Deus ou sua manifestação em Jesus: epifania do Senhor. ... Etimologia (origem da palavra epifania). A palavra epifania deriva do latim "epipháneia,as", com sentido de manifestação.