Resposta: Griot (também grafado griô; com a forma feminina griote), jali ou jeli (djeli ou djéli na ortografia francesa), é o indivíduo que na África Ocidental tem por vocação preservar e transmitir as histórias, conhecimentos, canções e mitos do seu povo. Existem griots músicos e griots contadores de histórias.
Ouvidos se abrem com um diapasão – poderiam ter sido chamados com uma cantiga, uma outra história, um chamamento ou um era uma vez – e a história, enraizada no pensamento, cria ramas que saem do coração e abraçam todo o corpo do contador, vira vento pra depois começar a entrar por aqueles ouvidos.
A escolha do repertório não é simples. A história precisa ser boa – não é preciso comentar que essa qualificação é relativa e subjetiva – o ouvinte precisar ter desejo de ouvi-la; o contador precisa ter desejo de contá-la. Tanto um como outro precisam se identificar com a história.
A escolha da história já diz muito sobre a proposta do contador. O foco deste trabalho está no profissional que conta histórias ancestrais de tradição oral (mitos, lendas, fábulas, contos maravilhosos, facécias, causos, …) ou faz livre adaptação de histórias autorais.
Como já foi colocado anteriormente, a história precisa ser precisa. Tanto o contador quanto o ouvinte devem se sensibilizar, se identificar com ela. Por exemplo, se conto para crianças com menos de quatro anos, os personagens precisam fazer coisas do cotidiano e das vivências afetivas da criança: é o macaquinho que não quer dormir e atrapalha o sono o pai, é o garoto que não quer comer a sopa ou tomar banho; se conto para mulheres, enredos bons são aqueles em que os personagens buscam, de alguma forma, encontrar seu lugar no mundo e reafirmar a sua identidade; se conto para adolescentes, o herói da história jornada precisa passar por tarefas e provas antes de conseguir o final feliz para sempre.
É claro que a utilização do corpo faz parte de um todo de significado e vai compor, com os outros elementos da performance o momento de fruição estética. Portanto, o movimento não é um ornamento da palavra, pois contém também um significado em si que, muitas vezes, a desdiz.
Trabalho há uns dez anos com professorandas que contam histórias. E já quando comecei este trabalho percebi que algumas se esmeravam muito, mas seus contos orais não pescavam nem as crianças nem a mim; já outras que se deixavam navegar pelas águas do enredo, encantavam feito feiticeiras.
Diferente da civilização ocidental, que prioriza a escrita como principal método para transmissão de conhecimentos e tem historicamente fadado povos sem escrita ao âmbito da pré-história, em sociedades de tradição oral a fala tem um aspecto milenar e sagrado, e é preciso refletir profundamente antes de se pronunciar algo, pois cada palavra carrega um poder de cura ou destruição.
E o que falar sobre o gesto facial, tão essencial ao narrador? É no arregalar dos olhos, no torcer de lábios, no franzir de testa que a história se antecipa, ganha vida, vira verdade. A expressão facial é responsável por transmitir emoções, desejos, dar personalidade às personagens e expressividade a toda a trama. Se o narrador apenas diz que a personagem ficou com gosto de fel na boca é uma coisa à toa, despercebida pelo ouvinte. Agora se esta fala vem acompanhada de uma cara de quem já experimentou o fel, memórias nojentas nascerão naquele que ouve.
Agora, depois de ter exposto tudo isso, preciso retomar uma ideia que permeou todo esse trabalho: o contador tem como matéria prima a memória, a intuição e a imaginação. As imagens alimentam a memória e ativam o inconsciente, lugar de onde vem a criatividade e se escondem, as memórias. A imaginação, movida pela intuição, dá suporte ao pensamento e à razão. É pela imaginação que, esperançosamente, planejamos a ação sobre a realidade e construímos memórias.
Já vimos até aqui algumas particularidades desse tipo de histórias. Com base no que estudamos poderíamos enquadrar narrativas como Harry Potter, Senhor dos Anéis e Star Wars como mito ou conto de fadas, certo? Errado: não são mitos porque foram criados como ficção; não são contos de fadas porque cada um possui um único autor, que intencionalmente escolheu símbolos para expressar uma ideia. São apenas histórias com a mesma estrutura de enredo e de símbolo.
Me propus no início desse texto desvelar a sabedoria humana das histórias e por isso ainda não citei outro tipo de narrativa. Vejamos se consigo justificar apenas citando a você leitor algumas características das histórias que narradores contam:
Se os mitos falam ao conjunto da humanidade, os contos de fadas falam algo a cada um de nós, dão resposta à questão: “quem sou eu?” e ainda : “quem é esse que às vezes sai de dentro de mim e faz, pensa ou sente coisas que não compreendo?”.
O interessante é que quanto mais histórias aprende, mais fácil fica a memorização. O cérebro aprende a aprender, se cria ou se recria um caminho estrutural, no qual a nova história se deita.
O contador de histórias poderá fazer uso de diversos recursos para atrair a atenção das crianças. Um fantoche, uma dobradura, uma simples pedrinha, enfim, qualquer coisa que lembre o personagem ou o local onde a história se passa, encanta a criança.
A contação de história apresenta as crianças ao universo da narrativa e, por isso, pode ser um poderoso instrumento para promover o gosto e hábito à leitura, a ampliação das experiências sociais, o desenvolvimento da imaginação, a capacidade de escutar e dar sequência lógica aos fatos, a ampliação do vocabulário e a …
E o contador de histórias que tem competência a essa leitura, terá outra intencionalidade (uma vez que ela sempre existe) em seus gestos e em sua fala. Se conhece dilema simbólico por traz da traição de Guinevere, pintará essa rainha com cores muito mais sublimes e a espada de Lancelot sempre será posta ao chão. Se sabe que em Branca de Neve é a alma, presa no caixão de vidro apático da matéria, que é resgatada pelo self, falará a língua do encantamento, da magia.
O contador de histórias não era um mero reprodutor de narrativas, ele também gerava seus relatos, simplesmente mantendo-se atento à reação psicológica dos ouvintes. Conforme a disponibilidade ambiental, ele improvisava e ampliava seus contos, tendo como principal instrumento a palavra, que detém o poder de transformar o comportamento humano, ...
Ao tirar um primeiro véu se descobre que as histórias embelezam uma realidade crua, transmitem valores, propiciam uma reflexão ética, que levam à compreensão do comportamento humano. Porém, ao descortiná-las percebe-se que guardam segredos: levam ao autoconhecimento, a um mergulho no inconsciente, a um encontro consigo mesmo, à transformação. Muitos estudos já se debruçaram sobre esses poderes das narrativas. A psicanálise explica como as histórias podem dar um repertório emocional ao indivíduo, ensinar a controlar medos e desejos. A psicologia analítica compreende que as histórias levam à individuação, ao encontro do eu eterno. A teosofia e a antroposofia creem que a jornada do herói é própria jornada da alma e ambas se retroalimentam.
O mito está muito ligado a crenças e em seu bojo há um diálogo explícito com o divino. Já nos contos de fadas esse diálogo está camuflado. É difícil traçar uma fronteira entre os dois justamente porque entre eles há a figura do herói mítico, personagem que se transformou no protagonista dos contos de fada; porque cada um dos mitos foi recortado, colado e transformado em dezenas de contos de fadas. Por exemplo, podemos traçar um paralelo entre o casamento de Afrodite e Hefesto, “Heros e Psique” e “A Bela e a Fera”: todas fazem uma reflexão entre o que é o amor verdadeiro, entre a aparência e a essência, a matéria e o espírito.
Antes de continuar preciso esclarecer: estou falando de histórias com valor simbólico, não de histórias moralizantes, que tentam formatar pessoas. Falo de histórias que conversam com o inconsciente, que transformam a forma de pensar, de sentir, de agir. Histórias que nos ligam ao divino, não porque se aproximam de doutrinas, mas que nos conectam com o eterno que está em todos os lugares, inclusive dentro de nós. Então quando falo de manual, não me refiro à receita do como agir, mas à receita do como ler e levar a vida, soprada bem baixinho em nossos ouvidos por uma fada, uma inspiração, uma intuição, mais ou menos assim:
Entretanto, até os dias de hoje os Griots seguem em seu papel de guardiões da tradição, estando presente em muitos lugares da África Ocidental, incluindo Mali, Gâmbia, Guiné e Senegal, e entre os povos Fula, Hausá, Woolog, Dagomba e entre os árabes da Mauritânia.