O número de mulheres assassinadas por crime de gênero em 2019 aumentou 7,3% em relação a 2018, o que totaliza em 1314 casos de feminicídio no Brasil no ano passado. Os dados foram contabilizados pela plataforma Monitor da Violência do portal G1, que recebeu os números das Secretarias de Segurança Pública dos estados.
"Há muitos indícios e estudos em outros países que apontam para o agravamento da violência contra as mulheres em situação de crises, como tem sido na pandemia", afirma Aline Yamamoto, especialista em Prevenção e Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da ONU Mulheres Brasil.
“Eu acordei no dia 31 de março com aquela situação, aquele grito dela já me pedindo ajuda, dizendo que Matheus queria matá-la na frente das crianças. Foi quando começou o terror na nossa família”, diz Rosana Borges, irmã de Isabella.
Para ela, é preciso a conexão de várias áreas do poder público. "Tem que ter também estrutura de apoio, apoio financeiro, abrigos para que as mulheres possam ir com as crianças. As medidas necessárias são muito interdisciplinares, não pode ser só policial. Precisa de serviço de assistência social, saúde, educação, todo mundo conectado nessa pauta."
Doze estados não possuem dados de feminicídio de 2015, ano em que a lei entrou em vigor. Oito não têm a estatística para 2016, sendo que três deles também não possuem os números de 2017.
Segundo a secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki, as diretrizes proporcionarão a capacitação de policiais e peritos para que tenham uma visão diferenciada. “Terá aquele olhar de que aquela mulher morreu pela condição de ser mulher”, afirmou.
O Brasil teve um aumento de 7,3% nos casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018, aponta levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal. São 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres – uma a cada 7 horas, em média.
A Secretaria de Segurança Pública do Ceará afirmou que a razão pela qual diverge da maioria dos outros estados, que divulgam publicamente essas informações, diz respeito à proteção de dados pessoais sensíveis. Sobre a discrepância de registros, afirmou que a classificação de feminicídio cabe, baseada em critérios técnicos, ao delegado ou à delegada da Polícia Civil que investiga o assassinato.
"Existe uma alerta internacional em relação ao Brasil feito pela ONU, chamando atenção para esse fato. Há duas questões importantes quando se usa arma: uma é o índice de letalidade, muito grande. A segunda é o quanto a arma de fogo facilita a prática do crime porque é um tipo de crime que se pratica sem sujar as mãos de sangue. Aponta-se a arma e dispara o gatilho."
O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O primeiro levantamento sobre feminicídios no país foi publicado no Monitor em 2018 e, desde então, ele é feito todos os anos. No próximo domingo (8), é celebrado o Dia Internacional da Mulher.
Os critérios de seleção do país incluíram a prevalência e relevância das mortes violentas de mulheres por razões de gênero no território nacional, a capacidade de implementação das Diretrizes no sistema de justiça criminal, a existência prévia de relações interinstitucionais entre os parceiros, a capacidade técnica dos escritórios da ONU Mulheres e do ACNUDH para desenvolver o projeto no Brasil e a presença de representação diplomática da Áustria, cujo governo apoia a iniciativa.
Na nova legislação, a violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher são descritos como elementos de violência de gênero e integram o crime de feminicídio.
Especialistas ouvidas pela Folha defendem, entre outros pontos, uma ação robusta e continuada da abordagem das questões de gênero nas escolas e o aperfeiçoamento do sistema de coleta de informações.
A defesa do criminoso tentou emplacar a tese de que ele deveria ser absolvido por ter agido "em legítima defesa da honra", já que a mulher era uma "vênus lasciva” movida a cocaína, álcool e relações "anormais" com muitos homens.
O Brasil registrou oficialmente em 2020 a morte de 1.338 mulheres por sua condição de gênero, assassinatos praticados em sua maioria por companheiros, ex-companheiros ou pretensos companheiros, como o que na última quarta-feira (2) matou a facadas a estudante de enfermagem Vitórya Melissa Mota, 22, na praça de alimentação de um shopping center de Niterói (RJ).
Em relação a 2019 houve uma alta de 2%, mas a violência contra as mulheres cresceu em níveis mais alarmantes no Centro-Oeste (14%) e no Norte (37%). Nordeste (+3) e Sudeste (-3) apresentaram pequenas variações. No Sul, houve queda de 14%.
No entanto, a Rede de Observatórios da Segurança, que reúne órgãos acadêmicos e da sociedade civil de cinco estados, identificou 47 casos de feminicídio no Ceará em 2020, quase o dobro do que informam as autoridades estaduais.
Segundo o G1, esta é a primeira vez que todos os estados passaram, ao Monitor da Violência, os dados completos de feminicídio. A falta de enquadramento certo das mortes de mulheres podem ocasionar em um apagamento dos casos que ocorrem em decorrência do gênero.
“As Diretrizes Nacionais buscam eliminar as discriminações a que as mulheres são alvo pelo machismo, pelo racismo, pelo etnocentrismo, pela lesbofobia e por outras formas de desigualdades que se manifestam desde a maneira como elas vivem, a deflagração de conflitos com base em gênero e os ciclos de violência, que culminam com as mortes violentas”, explicou a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman.
Na opinião do delegado Robson Cândido, diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal, o que tem ocorrido é um aumento dos registros. No ano passado, o DF teve 33 casos de feminicídio, ante 28 em 2018.
No início de 2020, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, chegou a sinalizar que haveria a implantação de um sistema nacional de consolidação e divulgação de estatísticas de feminicídio.
“Aumentou registro porque nós passamos a tratar todos [os casos] como feminicídio. Antes de 2017, teríamos um suicídio, não um feminicídio. Teria uma morte violenta ou um desaparecimento, não o feminicídio”, diz.
“O meu sobrinho chegou na casa e, quando foi pegar um documento do pai dele no quarto, tocou no pé dela. Ele saiu correndo para a rua desesperado e ligou para mim”, conta Fernando.