Entenda: diferenças entre imigrante, refugiado e asilado.
A partir dos dados coletados, que apontam a diferença entre homens e mulheres no acesso a uma vaga de emprego sinalizada na interiorização, a pesquisa recomenda tomar a dimensão de gênero de maneira transversal na formulação e implementação de políticas destinadas à população venezuelana, em diálogo com as políticas de proteção e promoção dos direitos de mulheres no país e, em particular, no que se refere à inserção laboral e políticas de geração de renda.
Nesse curto tempo também, os venezuelanos e as venezuelanas são o segundo grupo migratório com o maior número de registros ativos na Polícia Federal no Brasil. Isso quer dizer que a população migrante está em segundo lugar ou é o segundo maior contingente de migrantes, no país. E isso num curto tempo. Então é claro que isso implica desafios. Oportunidades, eu acho que uma oportunidade também para desenvolver e baixar à terra mesmo como implementar a lei migratória brasileira, que é de 2017. Ela vem com uma perspectiva de direitos humanos, e vem substituindo o estatuto do estrangeiro que era de uma perspectiva bem securitista da época da ditadura.
Heloisa Greco, HG: Primeiro, eu queria agradecer o convite para esta oportunidade e da nossa alegria também de poder divulgar o relatório que foi lançado no Brasil. O relatório tem o nome Relatório Situacional Tráfico de Pessoas em Fluxos Migratórios Mistos e Especial Venezuelano. Este foi um relatório desenvolvido dentro de um projeto do Unodc que que chama Track4Tip Transformando Alertas em Respostas de Justiça Criminal para Combater o Tráfico de Pessoas em Fluxos Migratórios.
Foi o caso de Rosa Maria, que está há quatro anos e meio no Brasil. Viúva e com um filho de sete anos na época, ela deixou a Venezuela em direção a Roraima quando começou a faltar comida na mesa. Por dois anos, a vida de mãe e filho em Boa Vista foi bastante dura, como ela mesma descreve. Sem conseguir emprego, morou na rua, precisou tomar banho em rio, passou fome. Até que conseguiu uma vaga em um abrigo, de onde ela e o filho foram interiorizados para o Rio de Janeiro, na modalidade institucional.
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HG: A questão dos fluxos migratórios, em especial dos venezuelanos, é um desafio. Se a gente imaginar que de 2015 a 2017 esse fluxo migratório de venezuelanos cresceu 922%, imagine-se o impacto quando tem esse fluxo entra. Realmente tem uma porta principal no país, que é o estado de Roraima, no norte do Brasil. Então o aumento, em pouco tempo, provoca, sem dúvida nenhuma, um desafio para todas as políticas. De receber e acolher esses imigrantes que chegam e depois eu posso explicar um pouco como chegam em situação de vulnerabilidade. Eu posso explicar um pouco mais que vulnerabilidades seriam essas. Então, sem dúvida nenhuma, isso é um desafio.
Mesmo no contexto de pandemia, pessoas refugiadas e migrantes vindas da Venezuela tiveram mais acesso a empregos formais, educação e moradia no Brasil depois que foram realocadas voluntariamente de Roraima para outros estados do país. Esse processo, chamado de interiorização, possibilita melhorias nas condições de vida das pessoas que são interiorizadas em diferentes modalidades.
Segundo a Operação Acolhida, mais de 800 municípios já receberam venezuelanos desde 2018. Paraná (12.678), Santa Catarina (12.195) e Rio Grande do Sul (10.593) foram os principais destinos. “Nós procuramos conciliar as oportunidades de oferta de emprego do mercado brasileiro à capacitação do venezuelano”, afirma o tenente-coronel Magno Lopes, chefe do Centro de Coordenação para Interiorização.
Em relação à proteção também é interessante dizer que a própria legislação brasileira, essa lei que é de 2016, ela dá recursos que são muito protetivos para vítima. Ela garante a atenção integral à vítima, essa atenção psicossocial, de inserção no mercado e atenção jurídica, a no acompanhamento dessa situação, e aos familiares independentemente da nacionalidade e da colaboração, investigação ou processo judicial. Isso é muito protetivo para a vítima: por ela não estar vinculada e ao fazer denúncia ela ter essa proteção independente.
E já tinha essa estrutura, que já vem sendo desenvolvida desde a ratificação do protocolo no Brasil, que foi em 2004. E veio a política, em 2006. Então já tem uma estrutura e vem tomando corpo até chegar na legislação de 2016. E é um pouco esse cenário que a gente tem agora. Tendo essa estrutura agora, temos que identificar a situação do fluxo dos venezuelanos, quais são as especificidades e quais as características que pode ter para um tráfico de pessoas com esse público.
O mototaxista Naiber Jesús chegou à fronteira há 5 meses. Cruzou a Venezuela em uma moto com a esposa e três filhos - um deles, recém-nascido, que só foi registrado no Brasil. Abandonou a vida de agricultor e hoje vive de levar e buscar pessoas que atravessam a divisa dos dois países em busca de uma vida melhor. “Eu queria que meus filhos fossem alguém na vida, por isso me disseram para vir pra cá”, conta.
O agricultor Juan Diaz esperou por 5 meses para ter uma oportunidade de trabalho. Após um processo de seleção, ele e a esposa foram contratados para administrar uma fazenda em Planaltina, interior de Goiás. “Tem que ter fé e esperança. Agora, vou poder ajudar minha família com um bom salário, com estabilidade de emprego”, planeja Juan. No final de março ele chegou ao novo lar, onde pretende ficar até se estabelecer no Brasil.
Quando chegou, o único emprego que conseguiu foi de meio período como caixa de supermercado, onde ganhava R$ 500 por mês – insuficiente para manter a ela e ao filho. Sem outras oportunidades, ela buscou se capacitar, aprimorar o português e a buscar crescimento dentro da empresa. Atualmente, ela ganha o suficiente para pagar o aluguel de uma casa de dois cômodos e, inscrita em programas sociais públicos, ela e o filho estão refazendo a vida no Brasil. “Sou sozinha com meu filho. E cuido do meu emprego porque é a minha forma de viver”, afirma. “Faz dois anos e meio que estou trabalhando e me superando a cada dia.”
Eu acho que tem um ponto que é fundamental, principalmente pensando nos venezuelanos, que é a centralidade da questão da vulnerabilidade das pessoas. E isso é um ponto que a gente desenvolve no relatório situacional. A pessoa que está venerável se torna mais suscetível a aceitar uma proposta, seja de trabalho ou seja de viagem, que pode vir a ser uma forma de exploração. Entender esse mapa das vulnerabilidades e pensar em políticas de prevenção que trata das vulnerabilidades, seja das vulnerabilidades características pessoais: a questão da infância, de gênero, ou vulnerabilidades contextuais porque a pessoa está numa situação migratória.
Para o lançamento, as agências apresentam um site especial onde, além do download da pesquisa, é possível ter acesso a infográficos e histórias de mulheres que refletem os dados divulgados.
O projeto é ambicioso, grande, e o objetivo principal dele é melhorar e aprimorar a resposta da justiça criminal em relação ao tráfico de pessoas nessa região, na América do Sul e um pouco da América Central, nos fluxos migratórios, principalmente, uma visão de direitos humanos centrados na vítima. Então, é para melhorar esses afluxos migratórios e identificar situações de tráfico de pessoas nesses tráficos mistos. E aí, sim, tem um olhar especial também para o fluxo migratório venezuelano.
Escolaridade - A pesquisa também chama a atenção para os reflexos do ensino superior na empregabilidade de pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas no Brasil. Entre a população brasileira em geral, 16,8% possuem ensino superior completo; entre pessoas venezuelanas interiorizadas, a parcela de quem possui essa escolaridade é similar, de 15%. Entre as mulheres venezuelanas interiorizadas, 17,5% possuem ensino superior completo, média acima da encontrada entre homens interiorizados, de 12,7%. Entretanto, as mulheres apresentam maior dificuldade de ingressarem no mercado formal de trabalho brasileiro.
Trabalho e renda – De cada 10 pessoas interiorizadas, 8 estão dentro da força de trabalho, aponta a pesquisa. Porém, quando é feito o recorte de gênero, percebe-se que a participação feminina no mercado de trabalho é consideravelmente mais baixa – 72,2% contra 96,1% entre os homens. O mesmo se percebe nas taxas de desemprego: enquanto a taxa geral é de 11%, no recorte de gênero, percebe-se que ela é de 17,7% entre as mulheres contra apenas 6,4% entre os homens.
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Então, é uma lei que por ter essa perspectiva de direitos humanos, entende a migração como um direito inalienável de todas as pessoas. Eu acho que é uma oportunidade também de se efetivar algo, com esse desafio migratório atual, principalmente venezuelano.
A estratégia de interiorização é um dos pilares de atuação da Operação Acolhida, principal resposta ao fluxo de pessoas venezuelanas deslocadas no Brasil. Trata-se de iniciativa que realoca de maneira voluntária pessoas refugiadas e migrantes que estão em Roraima, principal porta de entrada dessa população, para outros estados do Brasil, apoiando o processo de acolhimento e proteção humanitários até então fortemente concentrados na fronteira com a Venezuela. Desde 2018, já foram mais de 78 mil pessoas interiorizadas para mais de 800 municípios em todas as regiões do país.