O Que Cidadania Tutelada?

O que cidadania tutelada

Mestrando em Direitos Coletivos e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto/SP – UNAERP. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP (1996), Especialista em Direitos das Obrigações pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP (2001). MBA Executivo pela FGV -Fundação Getúlio Vargas (2010). Advogado. E-mail: [email protected].

A classificação permite situar os portadores de sofrimento psíquico em duas zonas: na zona de vulnerabilidade e na zona de desfiliação. Entende-se que grande parte dos portadores de distúrbios psíquicos do país situe-se na zona de desfiliação. Esse é o grande desafio dos reabilitadores: construir redes de suporte em relação ao trabalho e à inserção relacional, através das quais se possa diminuir as fronteiras entre as zonas, considerando-se que são transponíveis, porosas, não cimentadas. Esses são os movimentos necessários que levam à integração, à filiação, à inserção social.

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Castel9, abordando a precariedade do trabalho e a vulnerabilidade social, traz à tona a exclusão e a desfiliação. Aponta que cada vez mais pessoas estão ficando à margem da sociedade e que a modernidade mudou o cenário e os personagens, antes centrados nos mendigos e vagabundos. A partir dos eixos da relação trabalho e da relação inserção relacional classifica zonas de espaço social de acordo com o grau de coesão entre elas. A zona de integração, na qual estão situados os indivíduos com garantias de trabalho permanente e sólidos suportes relacionais; a zona de vulnerabilidade, onde estão associadas precariedade do trabalho e fragilidade relacional; a zona de desfiliação, onde se encontra ausência de trabalho e isolamento social; a zona da assistência, representada pelo não-trabalho, em razão de incapacidade versus forte inserção social. O cruzamento dos eixos trabalho e inserção relacional define modalidades de existência social, que vão do pólo da autonomia ao pólo de dependência ou, ainda, conforme o autor, da estabilidade à turbulência máxima.

A modernidade traz conflitos como a competitividade e a geração de empregos, provocando uma crescente exclusão do mercado de trabalho. Como então, podemos projetar trabalho para pessoas que têm uma dificuldade de competir, uma vez que o paradigma da modernidade é a competitividade desenfreada? Ou antes, de concorrer no mercado em uma situação já em desvantagem? A superação dos obstáculos não se dará através de técnicas mais refinadas de adestramento ao trabalho, mas sim, do enfrentamento da relação doença mental e trabalho segundo uma outra perspectiva, através de uma recomposição radical do campo4.

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O processo de desinstitucionalização, a avaliação crítica da ergoterapia e a crise do welfare se constituem como elementos de análise dos fenômenos sociais e políticos que apresentam conexão com a assistência psiquiátrica. Destaca dentre esses a desinstitucionalização como a que possibilita a recuperação da contratualidade, ou seja, através das trocas sociais, a obtenção da cidadania social. Entende que da ergoterapia manicomial às cooperativas fora do manicômio foram construídos saberes e práticas que permitiram a compreensão dos mecanismos anti-institucionais do trabalho. Visualiza as cooperativas como lugares de promoção da autonomia e de proteção, características que deveriam ser próprias de um bom serviço de saúde mental4.

Evidências têm demonstrado que a história de trabalho no passado é o melhor preditivo de sucesso vocacional ou educacional. Ou seja, as pessoas que, de alguma forma, já estiveram inseridas no mercado têm mais chances de realizá-lo novamente de maneira satisfatória11. Estudos12 estabelecem uma visão global dos problemas que confrontam as pessoas com prolongadas desordens psiquiátricas e a sua experiência para entrar no mercado de trabalho. Através do entendimento da natureza e do escopo desses problemas, os reabilitadores poderão traçar intervenções estratégicas que ajudem os portadores de distúrbios mentais a alcançar sucesso na reabilitação. Dentre os problemas apontados, estão déficits de ego que desempenham um papel crítico na inabilidade das pessoas com doenças mentais crônicas para funcionarem efetivamente e manterem o emprego. A falta de auto-estima e autoconfiança, a inabilidade para tolerar frustração, o temor de falhar manifestado como baixa motivação, a ansiedade elevada e a inabilidade de ir junto com outros são apontados como fatores psicológicos que contribuem para uma reabilitação pobre. Os problemas de ordem social e vocacional são: imaturidade vocacional, manifestada através de expectativas irrealistas, falta de experiência de sucesso vocacional, inabilidade para viver independentemente, perda de adequado suporte pessoal e rede social.

Para Rotelli1, a base da instituição inventada a partir dos projetos de desinstitucionalização reside na ruptura da causalidade linear doença-cura, problema-solução e na reconstrução do objeto enquanto sujeito histórico. O autor ressalta que as novas instituições deverão estar à altura da complexidade da tarefa de intervir na sua existência – sofrimento, remetendo ao processo da constante reconstrução deste sujeito. Nestes novos serviços, " o que se convencionou chamar de 'Cultura de Avaliação' tem que estar presente o tempo todo para que nós não nos percamos em linguagem, em saberes, em práticas ou em modelos que não são bem aquilo que se propõe" 2. A única forma, segundo este autor, que temos para controlar esta derrapagem é a preocupação com a qualidade.

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A vulnerabilidade a partir da precariedade do trabalho e da fragilidade relacional é analisada por um sociólogo9 que analisa que a vulnerabilidade não pode ser atribuída unicamente à dimensão econômica da crise, mas através da produção da categoria da precariedade. Para esse autor, a desagregação da integração social, para uma população que deixou de ser marginal ou residual, nasce do fenômeno da instabilidade do trabalho. Observa que a inserção relacional é menos evidenciável em virtude de não apresentar a homogeneidade que a integração pelo trabalho comporta. Aponta que o retraimento das redes familiares inflige um crescente empobrecimento dos suportes relacionais. Situa as variáveis familiar e cultural como esteios reguladores da fragilidade relacional e da instabilidade profissional. Essas variáveis constituem o que o autor denomina de proteção aproximada.

This article approaches autonomy and citizenship in the psychosocial rehabilitation process. The bibliographical review approaches concepts such as de-institutionalization and rehabilitation used by authors following the tradition of Basaglia, as well as American and British authors discussing the question rehabilitation/work/mental health. The results show that while the first are adopting a more flexible style, in which production of life is more important that productive life, American and British authors present models whose objective is the normalization of psychiatric patients by confronting them with the labor market. Both models bring along determinant variables - stigma, expectations, intolerance - denouncing forms of social exclusion from work for marginalized segments of the population. It is concluded that one of the biggest obstacles for rehabilitation is the inclusion in the formal labor market due to its competitiveness and to the need for a new perspective of the relation of mental health and society.

A cidadania é uma construção histórica resultante das problematizações concretas que cada sociedade produz8. Esse conceito de cidadania remete a um processo através do qual a sociedade necessita estar envolvida ativamente na luta pela emancipação de seus elementos mais frágeis, por intermédio de sua problematização. Isso envolve uma tomada de consciência em relação aos excluídos em geral e, em particular, sobre a situação dos portadores de sofrimento psíquico. Estas transformações se dão através das pequenas lutas cotidianas que restabelecem o poder contratual aos usuários, estes movimentos conduzem a mudanças qualitativas que levem à real inserção dos portadores de transtornos mentais.

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Outro autor10, em sua análise antropológica urbana dos " territórios marginais" , ressalta a importância da noção de territorialidade/desterritorialização, que se revela através da afluência das massas à cidade. Esse processo impunha um hiato, através dos cortes nos laços primários e secundários, que acabava por afrouxar as rédeas de sociabilidade. Essa fragmentação do sujeito urbano acarretava a fragmentação do ego, enquanto centralização unitária. Esta fragmentação resultante do processo de desterritorialização correspondia à perda de laços primários, familiares, domésticos, enquanto no processo de reterritorialização recompunha-se a noção de identidade.

A centralização decorre do reconhecimento consensual de que o desenvolvimento não se restringe à questão do mercado, ainda que seja meio indispensável, mas considera os fins comuns da sociedade, como qualidade de vida, eqüidade e justiça social. Avanços decorrem destas propostas, no momento em que são reintegrados meios econômicos e fins sociais. Ressalto que cidadania e economia não podem ser visualizadas de maneira separada, ambas são colunas mestras do desenvolvimento, a cidadania remetendo ao fim, enquanto a produção é meio6. O autor alerta, porém, que não se pode reduzir desenvolvimento à cidadania. Entende que o desafio e dilema das sociedades capitalistas consistem em compor mercado e cidadania.

Apostar nas pessoas remete a acreditar na potencialidade dos portadores de distúrbios psíquicos para a mudança de padrões e comportamentos e à aquisição de habilidades que lhes permitam viver e interagir em sociedade. Este viver pode dar-se através da inserção real no mercado de trabalho, como também, pelo mínimo gerenciamento – o cuidado consigo mesmo, do seu tratamento, do ambiente, das suas relações interpessoais, de que for capaz. Torna-se, assim, importante " conceder crédito" às pessoas, a fim de que a sua autonomia e sua capacidade possam encontrar uma ocasião de expressão e de crescimento, na convicção de que o verdadeiro problema é o de fazer com que consigam se tornar empreendedores com respeito a si mesmos" 4.

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Para Demo6, uma das mais importantes conquistas do final do século diz respeito ao reconhecimento da cidadania como o componente fundamental do desenvolvimento, ficando reservada ao mercado a função indispensável de meio. Salienta que composição de mercado e cidadania constituem um desafio e também um dilema, sobretudo numa sociedade capitalista. O autor pontua que cidadania e economia são colunas mestras do desenvolvimento; enquanto uma é fim, outra é meio. O processo de desenvolvimento denominado pela Organização das Nações Unidas (ONU) de humano e sustentável traz conquistas como a percepção estratégica, que resulta da integração entre o social e o econômico; o predomínio dos fins sobre os meios; a prioridade estratégica para educação e conhecimento e a promoção do bem-estar comum e dos direitos humanos. Coloca a cidadania na raiz dos direitos humanos e da emancipação das pessoas, refletindo o progresso democrático possível.

This article approaches autonomy and citizenship in the psychosocial rehabilitation process. The bibliographical review approaches concepts such as de-institutionalization and rehabilitation used by authors following the tradition of Basaglia, as well as American and British authors discussing the question rehabilitation/work/mental health. The results show that while the first are adopting a more flexible style, in which production of life is more important that productive life, American and British authors present models whose objective is the normalization of psychiatric patients by confronting them with the labor market. Both models bring along determinant variables – stigma, expectations, intolerance - denouncing forms of social exclusion from work for marginalized segments of the population. It is concluded that one of the biggest obstacles for rehabilitation is the inclusion in the formal labor market due to its competitiveness and to the need for a new perspective of the relation of mental health and society.

Biografia do Autor

Este artigo aborda a autonomia e cidadania no processo de reabilitação psicossocial. A revisão bibliográfica aborda conceitos de desinstitucionalização e reabilitação de autores da tradição basagliana, assim como autores americanos e ingleses que discutem a questão da reabilitação/trabalho/saúde mental. Os resultados apontam que enquanto os primeiros adotam um estilo de trabalho mais flexível, em que o sentido de produção de vida supera a vida produtiva, os autores ingleses e americanos apresentam modelos em que o objetivo é a normalização dos pacientes psiquiátricos através dos confrontos com o mercado de trabalho. Observa-se que ambos os modelos trazem consigo variáveis determinantes – o estigma, as expectativas, a intolerância –, que denunciam formas de exclusão social do trabalho para segmentos marginalizados da população. Conclui-se que um dos maiores obstáculos diz respeito à inserção no mercado de trabalho formal, em razão da competitividade e da necessidade do estabelecimento de uma nova perspectiva na relação doença mental e sociedade.

Este artigo aborda a autonomia e cidadania no processo de reabilitação psicossocial. A revisão bibliográfica aborda conceitos de desinstitucionalização e reabilitação de autores da tradição basagliana, assim como autores americanos e ingleses que discutem a questão da reabilitação/trabalho/saúde mental. Os resultados apontam que enquanto os primeiros adotam um estilo de trabalho mais flexível, em que o sentido de produção de vida supera a vida produtiva, os autores ingleses e americanos apresentam modelos em que o objetivo é a normalização dos pacientes psiquiátricos através dos confrontos com o mercado de trabalho. Observa-se que ambos os modelos trazem consigo variáveis determinantes - o estigma, as expectativas, a intolerância -, que denunciam formas de exclusão social do trabalho para segmentos marginalizados da população. Conclui-se que um dos maiores obstáculos diz respeito à inserção no mercado de trabalho formal, em razão da competitividade e da necessidade do estabelecimento de uma nova perspectiva na relação doença mental e sociedade.

Trata-se de construir uma outra forma de a sociedade lidar com a loucura14. A desconstrução do manicômio implica a reinvenção da sociedade em que vivemos. A transformação de uma realidade histórica não poderá se dar pela técnica, mas através da revelação dos pontos de sustentação que a própria sociedade impõe. Os ideários de liberdade, igualdade e fraternidade postulados pela Revolução Francesa não são uma obviedade consensual, variam enormemente entre as sociedades e estão longe de ser hegemonicamente aceitos. O cidadão nasce de uma subjetividade fundada na razão. A questão paradoxal apresentada é como conciliar a reivindicação de cidadania ao louco, se este se encontra despossuído de razão. O autor pontua que a democracia e a concepção de cidadão não são conceitos unívocos, que são determinados pelos contextos históricos analisados. Situa que a questão da cidadania do louco encontra na construção das sociedades dificuldades em virtude de o vocabulário imprimir uma tradição racional universalista que identifica cidadania com razão. Ao entendimento da história humana como a razão sobre a não-razão prevalecerá o preconceito. Entretanto, se for visualizado como o alargamento da liberdade sobreposto à coerção, levará à solidariedade e à afirmação de valores éticos.

O que é cidadania tutelada no Brasil?

Erigida a Fundamento da República Federativa do Brasil, a cidadania qualifica a todos como titulares de direitos frente ao Estado, visando uma sociedade justa, livre e solidária. ... A cidadania existente é uma cidadania tutelada, aquela que é formalmente deferida, mas operacionalmente constrangida.

O que é cidadania tutelada assistida e emancipada?

R.: ● Cidadania tutelada: é a cidadania que a elite econômica e política pratica, é excludente e de privilégios (Paternalismo). ... Cidadania emancipada: é o governo proativo, que faz uso da democracia e tem o entendimento de que o Estado deve servir e buscar medidas que conduzam ao bem comum.

O que é cidadania emancipada?

O emancipação humana, ou seja, Page 4 uma forma de sociabilidade na qual os homens sejam efetivamente livres, supõe a erradicação do capital e de todas as suas categorias. Sem essa erradicação, é impossível a construção de uma autêntica comunidade humana.

O que é cidadania formal?

A cidadania formal é, conforme o direito internacional, indicativo de nacionalidade, de pertencimento a um Estado-Nação, por exemplo, uma pessoa portadora da cidadania brasileira. Em segundo lugar, na ciência política e sociologia, o termo adquire sentido mais amplo.

Quais grupos ficam excluídos de fazer parte da cidadania regulada?

Ficam excluídos dessa cidadania os agricultores, os desempregados e os sem-profissão, na maioria negros. A atual desregulamentação das relações de trabalho imposta pelo Estado neoliberal, aliada ao desemprego, amplia o número daqueles que não têm acesso aos direitos conferidos pela cidadania regulada.

O que é cidadania para Marshall?

Quer dizer, a cidadania é a relação do indivíduo com o Estado, a partir da qual são conferidos direitos individuais num movimento em direção à igualdade material ou à cidadania ideal. ... 85), uma vez que Marshall reconhece a importância do exercício do poder político para demandar e se assegurar direitos sociais.

Como a cidadania se efetiva na prática?

Portanto, para efetivamente exercer a cidadania, o indivíduo deve conhecer os direitos dos quais é titular, bem como suas repercussões no meio social em que convive, assim como ter plena consciência de seus deveres e entender que atua, com sua conduta ativa ou passiva, também sobre a esfera jurídica de outras pessoas, ...

O que é cidadania invertida?

Esta condição política de cidadania invertida, em que o indivíduo entra em relação com o Estado no momento em que se reconhece como um não—cidadão, tem como atributos jurídicos e institucionais, respectivamente, a ausência de uma relação formalizada de direito ao benefício, o que se reflete na instabilidade das ...

Como nasce e funciona a política social?

As Políticas Sociais são políticas públicas destinadas ao bem-estar geral da população, mas com caráter distributivo, destinado principalmente às camadas de menor renda da sociedade, em situação de pobreza ou pobreza extrema, visando principalmente o desenvolvimento econômico, a eliminação da pobreza, a redução da ...

O que são políticas de saúde?

As políticas públicas, por definição, são conjuntos de programas, ações e decisões tomadas pelos governos nacional, estadual ou municipal que afetam a todos os cidadãos, de todas as escolaridades, independente de sexo, cor, religião ou classe social.

Quais são as políticas de saúde do SUS?

O SUS, com esse caráter de política inclusiva, solidária e universal, que acolhe todos os cidadãos, independentemente de sua nacionalidade e sem exigir qualquer documento, deve ser reconhecido e celebrado como um patrimônio cultural e social não só do povo brasileiro, mas da humanidade.