Ao ler os artigos que compõem o número 108 da Ensaio, além da diversidade de temas e análises, que são características do periódico, chamou a nossa atenção o primeiro texto, “A Covid-19 e a volta às aulas: ouvindo as evidências”. No contexto atual, torna- se impossível não falar sobre a pandemia que assola o mundo, em virtude de tudo o que ela provocou e provoca, e da pergunta dos gestores, educadores, políticos e cidadãos: como será o mundo após a pandemia?
A fechar a revista, na seção Página Aberta, apresentamos o artigo “Cenários da Educação de mulheres jovens e adultas em situação de privação de liberdade no contexto brasileiro”, nele, as professoras da Universidade do Vale do Rio Doce-MG, Maria Celeste Reis Fernandes de Souza, Eunice Maria Nazareth Nonato e Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca, discutiram a questão da Educação escolar para mulheres aprisionadas. Apesar de estar previsto nos Planos Estaduais de Educação dos estados da Federação e os resultados indicarem avanços no campo legal, apontam que há um longo caminho a ser percorrido para garantir o direito à Educação na prisão, especialmente para mulheres. As autoras ressaltam a necessidade de se pensar em um processo que torne essas mulheres visíveis e merecedoras de alcançarem um saber formal.
O terceiro artigo “ Multiple imputation in big identifiable data for Educational research: An example from the Brazilian Education assessment system ”, uma colaboração luso-brasileira, das autoras Maria Eugénia Ferrão, Paula Prata e Maria Tereza Gonzaga Alves, analisou os dados da Prova Brasil 2017. Com o objetivo central de esclarecer o porquê dos estudos quantitativos em aferição, da avaliação e da pesquisa educacional serem baseados em conjuntos de dados incompletos. As autoras procuraram fornecer informações sobre a verificação da falta de padrão e os procedimentos de dados ausentes para cientistas sociais propensos a usar software de acesso aberto, e demonstraram que a maior parte do conhecimento acumulado sobre o tema equidade social, e assuntos relacionados, pode ser seriamente comprometida se for baseada em suposições ingênuas de dados ausentes.
O décimo artigo vem da Universidade Federal de Santa Catarina, da autoria dos professores Diego Eller Gomes, Marina Bazzo de Espíndola, Roberto Moraes Cruz e Dalton Francisco de Andrade. O objetivo da pesquisa, intitulada “Efetividade da formação profissional ofertada na Educação a distância: validação teórica de um instrumento” foi autenticar um instrumento de avaliação que atestasse a efetividade em cursos na modalidade de EaD. Para isso, utilizaram a técnica Delphi, para validação de escalas e questionários a partir da opinião de especialistas. A possibilidade de aplicação dessa técnica de forma online permitiu maior rapidez e a inclusão de especialistas de diversas regiões do Brasil. Contudo, os autores afirmam que ainda é necessária uma aplicação futura de análises estatísticas. Essas análises possibilitarão a construção de uma escala de efetividade da formação profissional em cursos na modalidade EaD, de modo que se compreenda em que medida, determinado curso foi efetivo, e o que mais pode ser aprimorado.
O artigo seguinte, “A Lei no 13.415 e as alterações na carga horária e no currículo do Ensino Médio”, de Paulo Romualdo Hernandes, analisou a reforma do Ensino Médio, efetivada com a Lei nº 13.415. O autor estudou o conteúdo da lei, a partir dos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, que defende que a escola precisa promover o Ensino e a aprendizagem de conhecimentos complexos e sistematizados, pois, além de espaço de saber, a escola tem uma razão de ser, e esta é social. O estudo indicou que a ampliação da carga horária e as inovações curriculares são importantes, mas sem política de financiamento para as escolas públicas realizarem as alterações previstas na lei, nomeadamente para a contratação, remuneração e melhores condições de trabalho para os docentes, dificilmente poderá ter os resultados esperados, que era, a princípio, adequar o Ensino Médio do Brasil aos dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No texto “A Covid-19 e a volta às aulas: ouvindo as evidências”, João Oliveira, Matheus Gomes e Thais Barcellos analisam a questão da paralisação prolongada por causa da quarentena imposta pela pandemia, o impacto das tecnologias no desempenho escolar e quais os caminhos mais promissores para que este não seja um ano completamente perdido para os alunos da Educação Básica.
Da Universidade de Málaga na Espanha, chega-nos o artigo “ Gender differences in school performance and attitudes toward school ”, de Carmen Rodríguez Martínez e Monsalud Gallardo Gil. Os pesquisadores estudaram as diferenças de gênero no desempenho escolar e nas atitudes de moças e de rapazes em relação à escola. Para tal, utilizaram dados das avaliações nacionais da Espanha e internacionais (OCDE) a fim de compreender as percepções dos estudantes que continuaram os estudos, com sucesso, indo até o Ensino Superior. Com o trabalho, os autores descobriram que os arquétipos sociais em torno da divisão sexual tradicional do trabalho, de acordo com os papéis estabelecidos por gênero, parecem reforçar a insatisfação de um número maior de rapazes em relação à escola. Por outro lado, as atitudes mais positivas das meninas em relação aos estudos e seu envolvimento na escola servem, como mostram os relatórios internacionais da OCDE e a pesquisa deles, para promover seu sucesso nas instituições de Ensino.
Há ainda outros obstáculos graves, especialmente para alunos e professores mais empobrecidos, muitos deles localizados na periferia das grandes cidades ou na zona rural. Faltam computadores, aparelhos de telefonia móvel, software e Internet de boa qualidade, recursos imprescindíveis para um EaD que resulte em aprendizagem.
No que diz respeito à Educação, conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), sabemos que a crise causada pela Covid-19 resultou no encerramento das aulas em escolas e em universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo (UNESCO, 2020). A partir desse número, pergunta-se: qual o futuro da Educação num mundo abalado pelo novo coronavírus?
Quando as escolas reabrirem, e, em algumas partes do mundo, tal evento já começou a ocorrer, a emergente recessão econômica, certamente, aumentará as desigualdades e poderá reverter o progresso obtido por alguns países na expansão do acesso educacional e na melhoria da aprendizagem. Por isso, é necessário que os países reconheçam o problema – como não o fizeram quando a COVID-19 começou a espalhar-se pelo mundo –, e criem políticas públicas voltadas especificamente para a Educação.
Em seguida, temos uma contribuição do Nordeste, os autores Renata Meira Veras, Wilton Nascimento Figueredo, Sayuri Miranda de Andrade Kuratani e Erika Silva Chaves, todos de Universidades públicas da Bahia, escreveram sobre a “Formação de Professores na Universidade Federal da Bahia: análise das licenciaturas noturnas”. Na pesquisa feita, os autores analisaram a carga horária e os componentes curriculares da formação docente nos cursos de licenciatura noturnos da Federal da Bahia. A estrutura curricular encontrada nesse estudo evidenciou a falta de inovações e avanços na quantidade de disciplinas e nas cargas horárias que priorizavam a formação docente. Essas, deveriam habilitar o licenciando a desempenhar uma carreira docente com uma base consistente da prática escolar. Os autores fizeram uma pesquisa documental, com dados oficiais, mas sentiram falta de ouvir os licenciandos e egressos acerca da sua formação, ficando tal estudo para um segundo momento.
O artigo seguinte vem do Norte do Brasil e intitula-se “Deficiência visual: caminhos legais e teóricos da escola inclusiva”. Nele, Fabiane Maia Garcia e Aissa Thamy Alencar Mendes Braz, da Universidade Federal do Amazonas, apresentaram os resultados de uma pesquisa sobre a cegueira, a baixa visão e a acessibilidade dos alunos, registrados no Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) com deficiência visual, às escolas de Manaus. As autoras, ao longo do estudo, compreenderam que a rede municipal de Ensino em Manaus ainda não conseguiu assegurar, para esses alunos, o acesso às escolas inclusivas ou escolas exclusivas e o atendimento educacional especializado, pois a grande parte das escolas não oferece acessibilidade. As autoras esperam que o estudo colabore para a efetivação de uma ação educativa inclusiva.
Da Espanha, temos o artigo “ La respuesta educativa a los alumnos más capaces en los planes de atención a la diversidade”, de Lorenzo Pérez Diez e de Carmen Jimenez Fernandez, ambos da Universidad Nacional de Educación a Distância , em Madri. Nele, os autores discutiram a questão da diversidade e os procedimentos criados para grupos minoritários. Como o sistema educativo espanhol tem, por meio do Plano de Atenção à Diversidade, planificado, implementado e avaliado medidas para diferentes grupos, com necessidades distintas, porém, sem darem muita atenção para um grupo específico, o dos alunos superdotados. A partir de uma pesquisa feita nas escolas da província de Palencia, na Comunidade Autónoma de Castela e Leão, os autores perceberam que a presença de medidas educativas destinadas a esses alunos é nula ou puramente testemunhal, sendo necessário que tais medidas sejam efetivamente postas em prática, tal como está estabelecido no Plano educacional espanhol.
O décimo primeiro artigo, intitulado “ El papel de la internacionalización de la Educación Superior en la producción científica brasileña ”, é mais uma colaboração da Espanha. As pesquisadoras Cláudia Daniele de Souza, Daniela De Filippo e o professor catedrático Elías Sanz Casado, todos da Universidade Carlos III de Madrid, analisaram a internacionalização do Ensino Superior no Brasil entre os anos 2000-2015. Fundamentaram o estudo em publicações científicas indexadas em bases de dados internacionais com foco na colaboração internacional. Através de uma abordagem bibliométrica, os autores obtiveram a evolução da produção em colaboração e sua relação com impacto e visibilidade. Os resultados mostram que a produção em colaboração teve oscilações, mas o número de citações recebidas e o quartil dos periódicos de publicação melhoraram consideravelmente com a colaboração internacional. Os principais colaboradores são países beneficiários de estudantes e pesquisadores que participaram de programas de mobilidade internacional, incluindo o Ciência sem Fronteiras do Brasil.
Da Universidade ORT do Uruguai, recebemos o artigo “ Uso de plataformas y herramientas digitales para la Enseñanza de la Matemática ” escrito pelos autores Denise Vaillant, Eduardo Rodríguez Zidán e Gustavo Bentancor Biagas. Os pesquisadores investigaram o uso de ferramentas e de plataformas digitais para o Ensino da Matemática no 1º ano da Educação Secundária do Uruguai. Entre os resultados, destacaram a baixa frequência no uso de ferramentas e plataformas digitais por parte dos professores. Além disso, os resultados indicam que os smartphones são os dispositivos mais utilizados pelos professores para o Ensino e que há preferências no uso de aplicativos. A idade dos professores não foi um fator que influenciou no uso das tecnologias pelos docentes, contudo, possuir um diploma de pedagogia para o nível em que atuavam e a experiência profissional como docentes do Ensino Médio foram elementos que contribuíram para aumentar a eficácia do uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no Ensino Básico.
Para construirmos um futuro mais saudável, próspero e seguro, precisamos de políticas públicas que garantam um financiamento adequado para a Educação, fazer uso inteligente das tecnologias disponíveis, priorizar os mais vulneráveis e proteger educadores e alunos. O Estado precisa se fazer presente.