A Comissão Especial da Câmara que trata da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios aprovou na noite desta quinta-feira (21) o texto apresentado pelo relator da matéria, o deputado federal Hugo Motta (Republicanos-PB). Pela proposta, o governo federal terá um espaço fiscal de R$ 83 bilhões para gastar a mais em 2022, furando o teto do Orçamento.
Transferências constitucionais a estados e municípios, créditos extraordinários (que podem ser criados em casos de urgência e imprevisibilidade, como ocorreu em 2020, durante a pandemia de Covid-19, e também nos anos seguintes), despesas para a realização das eleições, aumento de capital de estatais não dependentes e recursos arrecadados pela União com leilões de petróleo.
"A receita seria estimada para um horizonte de tempo e o gasto seria limitado de forma a atingir, na média, o superávit primário necessário para trazer a dívida ao nível desejado", dizem.
Defensor de mudanças nas regras para pagamento de precatórios, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha qualificando como um "meteoro" sobre a economia a necessidade de pagar R$ 89 bilhões em precatórios no próximo ano. Conforme o ministério, não há espaço no orçamento.
Parlamentares ligados à base do governo e o relator da matéria manobraram para que o texto fosse aprovado ainda nesta quinta-feira. O próprio relator confirmou que a última versão da proposta, que trouxe alterações que permitirão o Auxílio Brasil de R$ 400, havia sido finalizada pouco tempo antes do início da sessão.
Em julho de 2022, uma nova PEC ampliou o valor do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, dobrou o Vale-Gás e criou um benefício de R$ 1 mil para caminhoneiros e taxistas às vésperas das eleições.
Os economistas Arminio Fraga (ex-presidente do Banco Central) e Marcos Mendes (do Insper e um dos pais do teto atual) propõem uma âncora fiscal com meta de redução da relação dívida/PIB (que mede a saúde financeira do governo) para 65% até 2032, por meio da limitação do crescimento do gasto.
A postura do atual presidente e sua equipe tem deixado o mercado apreensivo com um novo cenário de descontrole das contas públicas, como o visto durante o governo de Dilma Rousseff (PT).
Estimativa do economista Bráulio Borges, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) aponta que o teto tenha sido furado em R$ 795 bilhões em quatro anos, no governo de Jair Bolsonaro (PL). As principais mudanças serviram para ampliar a verba de programas sociais durante a pandemia ou mesmo para turbinar benefícios em ano eleitoral.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu apresentar uma proposta ainda neste semestre.
Em dezembro de 2021, a PEC dos Precatórios mudou o período de correção do teto (era pela inflação medida pelo IPCA em 12 meses até junho do ano anterior e passou a ser de janeiro a dezembro), o que elevou o limite a partir do ano seguinte e ainda possibilitou a União a postergar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça.
A proposta relatada por Hugo Motta busca, originalmente, reduzir o pagamento de precatórios pela União em 2022. Pelo texto, serão pagos cerca de R$ 40 bilhões em precatórios federais em 2022, menos da metade do valor originalmente calculado pelo governo, de R$ 89 bilhões. Em 2021, a programação orçamentária prevê quitação de R$ 54,7 bilhões em precatórios.
Recentemente, o novo secretário do Tesouro, Rogério Ceron, indicou em entrevista à Folha a possibilidade de a nova regra fiscal dar flexibilidade a investimentos públicos, mas prever limitação maior para despesas correntes (que incluem salários e benefícios).
Desde o fim do ano passado, o Tesouro trabalha em uma reformulação do teto de gastos que autoriza o crescimento real das despesas conforme o nível e a trajetória da dívida pública, a uma taxa a ser definida a cada dois anos. A regra também concede um bônus de ampliação dos gastos em caso de melhora do superávit nas contas públicas.
Pouco depois das 18h, quando já havia ficado clara a intenção do governo de furar o teto de gastos, o Ministério da Economia informou que quatro secretários haviam pedido demissão ao ministro Paulo Guedes. Por trás dos pedidos está a insatisfação com a quebra do teto.
Sem terem tempo para avaliar o texto e devido à complexidade do assunto, deputados da oposição defenderam o adiamento da votação até a próxima segunda-feira, para avaliação das mudanças. A proposta de adiamento foi derrotada.
A emenda promulgada estabelece que o governo federal vai apresentar ao Congresso até o fim de agosto uma nova regra para as contas públicas em substituição ao teto. Logo nos primeiros dias do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, firmou o compromisso de enviar ao Congresso a proposta ainda no primeiro semestre. A promessa é uma tentativa de transmitir a mensagem de austeridade fiscal, após a aprovação da PEC da Gastança, que autorizou o aumento de despesas. A emenda determina que, uma vez aprovado o projeto de lei com o novo arcabouço fiscal, o teto de gastos fica revogado.
Celebrado por parte dos economistas e pelo mercado, e atacado por defensores de mais recursos para políticas públicas, o teto se tornou a principal âncora das contas do governo, sendo apontado como o mecanismo que ajudou a controlar as finanças do governo, após um cenário de descontrole e perda do grau de investimento, em 2015. Ele serviu para ancorar expectativas de investidores e segurar os juros. Os sucessivos dribles ao teto, no entanto, foram minando a sua força.