Esqueça tudo o que você imagina sobre Ao Cair da Noite. Os elogios da imprensa estrangeira, a nota exuberante no Rotten Tomatoes (86% de aprovação) e o disse me disse do hype de que este é “o filme de terror do ano”. Você irá sair decepcionado e frustrado! Mas isso não é necessariamente uma coisa ruim, ou qualquer indício de que a produção escrita e dirigida pelo jovem cineasta Trey Edward Schults não possua inúmeras qualidades – ela possui sim.
Mesmo que positivamente avaliado como um excelente filme de terror, é certo que Ao Cair da Noite flerta com o drama de qualidade a todo momento. A tentativa de duas famílias em viverem uma vida normal e o esforço dos pais em assegurarem o melhor para suas esposas e filhos são brilhantemente retratados pelo elenco, que têm como casal protagonista uma mulher doce e forte e um ex-professor de História obrigado e tornar-se soldado familiar, em contraponto a um casal precocemente formado devido à gravidez e lutando para se manterem vivos, mostrando que a reunião de esforços é o único trunfo que eles possuem diante da praga.
Ao Cair da Noite fala muito mais sobre nossos medos internos e transborda tópicos como paranoia, experimentando a forma como lidamos e convivemos sob circunstâncias extremas. O mal pode existir e estar lá fora, mas permeia todos nós, se mostrando muito mais perigoso e urgente quando é deflagrado de dentro para fora. Na era de Trump, o filme se apresenta como forte analogia, digna de diferentes conclusões e inúmeras possibilidades.
Ao Cair da Noite chega para mostrar, entre outras coisas, o mau condicionamento do público atual. Se nossas expectativas não forem atendidas tendemos a desmerecer qualquer tentativa de originalidade. Se não assistirmos nos trailers e prévias quase o filme inteiro e se houver alguma surpresa escondida, o fato se torna uma tempestade num copo d´água. O curioso é que as mesmas pessoas que acusam os trailers de mostrarem demais, saem insatisfeitas quando são oferecidas algo inesperado, algo com o qual não estão acostumadas e que só tende a acrescentar o repertório de qualquer cinéfilo – enriquecendo-o. Afinal, para que queremos algo novo, se podemos ter a mesma ideia reciclada à exaustão?
O longa é estrelado por Joel Edgerton (Êxodo) e Carmen Ejogo (Animais Fantásticos e Onde Habitam), que compõem o casal Paul e Sarah que vivem em uma casa longe da civilização em companhia do filho adolescente Travis (Kelvin Harrison Jr.) e o cachorro Stanley durante o acometimento do país por uma praga que zumbifica o enfermo. A cena inicial já choca o público, pois pai e filho matam o avô que estava infectado com a doença, colocando em risco toda a família.
Mas não sinta-se depreciado por estes comentários, afinal sair frustrado de Ao Cair da Noite mostra-se apenas humano, sentimento que permeou a mente inclusive de profissionais escolados, alguns com décadas de experiência. Este fiel amigo que vos fala, vivenciou o mesmo, inegavelmente. E o pior, sabendo o que me esperava. Obviamente, não recebi nenhum spoiler, mas fui alertado por colegas que haviam assistido ao filme antes sobre o que me aguardava. Mesmo assim, fui pego de surpresa. Portanto, sintam-se livres para terem sentimentos mistos sobre a obra.
A rotina da família muda quando a casa é invadida por uma pessoa estranha. Após mantê-lo em quarentena, Paul descobre que se trata de um jovem pai de família buscando mantimentos para sua esposa e filho, que estão escondidos em uma cabana próxima. Na intenção de reunir esforços, Paul e Sarah convidam Will (Christopher Abbott), Kim (Riley Keough) e o filho Andrew a residirem na casa com eles e a trazerem consigo as galinhas e vaca que possuem.
A comida é racionada e máscaras de gás são constantemente usadas, em especial para as vezes em que é preciso sair da casa para buscar lenha e água. À noite, a ordem é permanecer dentro. Estabelecido o cenário desta assustadora realidade, o conflito é apresentado na forma de um estranho que chega ao local, vivido por Christopher Abbott. De potencial ameaça, o sujeito passa a aliado, ao apresentar sua família, igualmente necessitada – um espelho para a família protagonista. Riley Keough (uma das noivas de Mad Max: Estrada da Fúria), novo clone de Kristen Stewart (depois de Teresa Palmer), é a mãe do pequeno Andrew (Griffin Robert Faulkner). Os seis começam a viver juntos sob o mesmo teto e tudo poderia se encaminhar para um final feliz – não fosse este um thriller dramático.
Ao Cair da Noite é a segunda parceria do diretor Schults com a produtora A24, um dos grandes nomes atuais do cinema norte-americano. A diferença é que a A24 aposta no inusitado, aposta no diferente, nas chamadas ideias fora da caixinha. Justamente por isso, é dona de alguns dos filmes mais polêmicos e elogiados dos últimos anos, vide Spirng Breakers: Garotas Perigosas (2013), Sob a Pele (2014), Ex-Machina (2015) e A Bruxa (2016). Ou seja, de maneira alguma obras para todos os gostos. Uma coisa é certa, para apreciar as produções da casa, é preciso ter a mente muito aberta – e mesmo assim, isso não é garantia de que irá gostar, ao menos não de todas.
A qualidade do filme está em compor uma situação onde a força da interação é tudo que eles têm. Diálogos são bem travados e a trama possui um enredo cativante, que faz o público sentir empatia por todos eles. São diferentes pontos de vistas e diferentes necessidades diante da adversidade, onde nenhum julgamento parece certo, tendo em vista que são dramas contrapostos.
Ainda que o clima soe mais normal com a chegada do trio, é certo que em uma atmosfera onde tudo pode mudar rapidamente, confiança é um privilégio que ninguém possui. A constante insônia de Travis faz com que o adolescente ronde dentro de cada durante a noite em busca de distração. O terror é sempre implícito, pois passa a sensação de que o perigo está muito próximo, mas fora do alcance da vista, especialmente porque todas as cenas noturnas são iluminadas por luminárias, apenas. Pesadelos com o avô e com a infecção e o solitário acalento de ter um cachorro de estimação formam a bolha que Travis vivencia, que é rompida pela presença da nova família. Will o ensina marcenaria, Riley faz companhia em sua insônia e Andrew é presenteado com lápis de cor e amizade.
Paul é a constante voz da razão e da precaução, e lembra rotineiramente à mulher e ao filho que a afeição firmada dura apenas enquanto a situação é favorável àquela conjuntura. Ainda assim, refeições, afazeres, jogos e conversas se tornam distrações benvindas a todos que estão na casa com medo do que o mundo exterior tem a oferecer.
O filme fala da sobrevivência em situações avessas, onde toda água e mantimento devem ser racionados e aborda o esforço da família em tentar viver uma rotina razoavelmente normal composta por afazeres, horários e medo constante, onde qualquer pessoa ou animal podem estar contaminados pelo vírus. O fato de estarem isolados ajuda porque nenhuma ameaça efetiva está perto demais, entretanto, acaso ocorra algo com eles, ninguém poderia ajudá-los. No cenário do longa, árvores dominam os arredores da casa, o que gera uma excelente fotografia para a obra, que também extrai o melhor das cenas noturnas iluminadas fracamente por lanternas.
Após um apocalipse viral envolto em enigmas, Paul (Joel Edgerton), sua esposa Sarah (Carmen Ejogo) e filho Travis (Kelvin Harrison Jr.) vivem numa casa isolada no meio de uma floresta. Possuem regras claramente definidas, impostas pelo pai, para garantir a segurança de todos. Quando outra família os encontra enquanto procuram por refúgio, toda a ordem que eles antes conheciam começa, aos poucos, a se dissipar.
Dúvida e paranoia são fatores que perduram durante toda a história e servem de base completa para o roteiro. O diretor Trey Edward Shults (“Krisha“) – também roteirista da obra – já afirmou que decidiu deixar perguntas em aberto, pois gostaria que a mesma experiência dos personagens principais fosse sentida por quem os assiste: saber apenas o mesmo que eles. Essa declaração ajuda a colocar muito da produção em perspectiva, afinal quem gosta de ter todas as questões respondidas e bem amarradas no final pode se decepcionar. Apesar da maioria das indagações instigantes não se resolver de modo óbvio e oferecer material interessante para se teorizar, outras poderiam ser usadas para criar uma trama mais coerente em algumas ocasiões.
O aspecto em que o filme mais prospera é na construção do suspense. A abertura, primorosamente construída, já consegue intrigar o público, deixando-o interessado em saber outras informações sobre o que teria levado aquelas pessoas até aquela situação e a tomar aquelas decisões. Paul e Travis são precisamente concebidos, o que facilita a tarefa de entender seus raciocínios e criar um vínculo com ambos, já que os acontecimentos são acompanhados por seus pontos de vista.
Estreia em 22 de junho no Brasil o filme que mais ganhou avaliações positivas do gênero aterrorizante nos últimos anos. Ao Cair da Noite (It Comes At Night, EUA, 2017) é um terror com ares de drama da vida real que convence o público no quesito aflição. Dirigido por Trey Edward Shults, o diretor que ganhou vários prêmios por um filme orçado em U$ 30 mil dólares, que foi estrelado por seus próprios parentes (Krisha), e que em seu segundo trabalho avassala a crítica com a entrega de um filme inspirado em sua própria insônia e na morte de seu pai.