Os nativos estavam apreensivos. Dias antes, alguns meninos estavam na praia quando enxergaram, no horizonte, enormes e diferentes canoas que, como monstros marinhos, navegavam rumo à praia.
“Amefricanas” e “Organização já” são núcleos pensados a partir da escrita da Lélia Gonzalez. O primeiro dá protagonismo a figuras de mulheres inseridas intimamente nos movimentos sociais, ao mesmo tempo que celebra a vida comum e cotidiana. A exemplo disso, encontramos o retrato que a artista Panmela Castro fez de Rosana Paulino. Sobre a obra, Lorraine reflete: “É uma artista negra de uma geração mais recente, retratando aquela pessoa que, ao meu ver, é uma das grandes damas, aquela que é responsável pela carreira de muitos outros artistas e também pesquisadores. É uma daquelas figuras a quem a gente tem que prestar reverência.”
Que pelas estradas, ora abertas à passagem dos batalhões gloriosos, que por essas estradas amanhã silenciosas e desertas, siga, depois da luta, modestamente, um herói anônimo sem triunfos ruidosos, mas que será no caso vertente, o verdadeiro vencedor: o mestre-escola.
É preciso ainda considerar os professores aos quais era dirigido o apelo. Quem eram aqueles que possuíam experiência e "conhecimento necessários em assuntos educacionais"? Esta questão me leva aos processos de seleção de pessoal docente do período. Nos primeiros meses de 1938, a realização de concursos públicos para preenchimento de vagas nas escolas públicas goianienses animou a cena urbana da cidade-capital. A imprensa local divulgou amplamente os concursos e celebrou os aprovados louvando sua formação profissional e sua alta cultura e erudição como sinais de que os professores de Goiás já poderiam participar de debates de nível nacional. Os concursos públicos para o magistério, contudo, alcançavam somente escolas da cidade-capital permitindo-se que, nas cidades interioranas, permanecesse a contratação de docentes leigos e/ou por indicação dos mandatários políticos locais. Sob a alegação da falta de recursos financeiros, as escolas isoladas da capital e todas as escolas do interior não tiveram professores com formação específica e tampouco pessoal selecionado por concurso. Ou seja, os mestres leigos precisavam ser substituídos, não em toda a extensão regional, mas somente nas escolas que se tornariam visíveis aos olhos da nação.
Discutindo o ensino rural - seu tema principal - , o Congresso da ABE pode ser compreendido como sinal do entusiasmo e da adesão dos meios educacionais e intelectuais e do Estado brasileiros ao surgimento de Goiânia e sua promessa civilizatória e integradora. Desta ótica, instituiu-se um duplo movimento cujo eixo de articulação era a questão educacional: de um lado, por meio do Estado nacional, de seus intelectuais e educadores e em função do projeto de poder que estava em curso, a nação reconhecia e valorizava a nova capital estadual, tirando proveito da iniciativa das elites e do Estado goianos na construção da cidade e aderindo aos sentidos de modernidade e pertencimento para ela constituídos. De outro, as elites intelectuais e políticas regionais igualmente aproveitavam as brechas que o regime estadonovista deixava abertas para fazer do Congresso um dos principais meios de divulgação da imagem de cidade moderna e educadora e, assim, expandir e reforçar a simbologia de modernidade e pertencimento à nação da jovem capital goiana. No texto introdutório dos Anais do VIII Congresso da ABE (1944, p. 9), José Augusto Bezerra de Medeiros, Fernando Tude de Souza e Mario Augusto Teixeira de Freitas formularam um discurso que sinaliza para a apropriação e enriquecimento da discursividade que constituía os sentidos de Goiânia:
Por último, e nada menos importante, “Legítima defesa” parte de uma frase atribuída ao Luiz Gama, que diz: “Todo escravo que mata o senhor age em legítima defesa”. O escritor, que foi escravizado aos dez anos de idade, tendo sido vendido pelo próprio pai, aos 17 anos pleiteou sua própria liberdade, tendo que provar que ele nasceu livre. O núcleo é, portanto, sobre as várias possibilidades das armas, mas não necessariamente sobre a violência e cabe aqui citarmos o artista baiano Augusto Leal integra o espaço com duas obras. A primeira, “O Jogo!”, consiste em um trabalho interativo, que usa do lúdico para referir-se ao futebol como símbolo de um país moldado sob o mito da meritocracia como justificativa para opressões sobre pessoas negras. A instalação traz 36 traves de gol, cujas cores aludem à diferentes tons de pele, dispostas de maneira que as maiores, que possuem tons mais claros, estão mais próximas do centro onde se encontram os jogadores, enquanto as menores e de tons mais retintos, ficam mais distantes e, consequentemente, mais inacessíveis para marcar pontos. Já a segunda, chamada Sinalização Profética, é um trabalho inédito comissionado pelo Sesc para a exposição.
O olhar que narra, configurando os contornos internos do espaço-Brasil, confirma a diferença e conclui que a sociedade nacional não se horizontalizou por igual. [...] O diagnóstico uniforme nos textos conclui sobre a existência de uma porção desconhecida do Brasil. Certo de se estar em um mesmo país, resta descobrir se este outro lugar também compartilha do espaço nacionalizado [...].
A subordinação da região à nação pode ser identificada no interior das tentativas de explicar intelectualmente a nação, investimento que ganhou centralidade nas primeiras décadas da República quando uma expressiva parcela de intelectuais brasileiros voltou sua atenção para o mapa do Brasil e tomou o espaço como parâmetro para desenhar "regiões distintas que compõem a realidade nacional" (Sena, 2009, p. 13). O espaço permitia enxergar a nação como um imenso, unificado e indivisível território. Rapidamente, o olhar que se lançava sobre a relação entre as porções do território (enumeradas e descritas) e os grupos sociais (qualificados em seus modos de agir, pensar e sentir) se dedicou a encontrar evidências históricas que confirmassem a existência da nação.
Porém, se em Euclides da Cunha eram a mentalidade e religiosidade mestiças que faziam com que o sertanejo resistisse à mudança e ao fatalismo de um processo civilizatório visto como inevitável, para os intelectuais das décadas de 1910 e 1920 o problema estava na inexistente ilustração e na proliferação incontrolada de moléstias, ambas provocadas pelo abandono em que viviam as populações sertanejas. Entregue às broncas oligarquias regionais, o interior brasileiro mostrava a face de um Brasil doente, deixando evidente que a República não cumprira sua promessa civilizatória. A imagem da doença que ia sendo agregada ao universo sertanejo produzia deslocamentos nas representações sobre o sertão e seus habitantes, confrontando a grandiosidade épica do sertanejo euclidiano com a imagem de um ser cheio de verminoses e doenças provocadas pelo clima tropical e mantidas pela ignorância, pela superstição e pelo abandono do Estado. A região-sertão se tornava também o lugar da doença e do abandono, mas mantinha-se como lugar da essência da brasilidade. Assim, o sertão era confirmado como um estranho perigoso, mas um estranho promissor desde que conhecido e domesticado. Uma ameaça que era preciso fazer desaparecer para que o país - finalmente civilizado, finalmente integrado - se constituísse nação.
Nas últimas décadas, a historiografia da educação brasileira tem dado a ver os estreitos vínculos entre a educação do povo brasileiro e os esforços dirigidos à construção da nação, ressaltando-se, em especial, o papel da escola na difusão e aprendizagem dos símbolos e heróis pátrios e na disciplina corporal e intelectual exigidas pela modernidade capitalista e industrial. Assim, ao encarar a escola sob o substrato da ideia de que as nações são invenções e constituem comunidades imaginadas (Anderson, 2008), o chamado nation building se tornou um horizonte sempre presente quando se pensa nas formas projetadas e implementadas para educar o povo do Brasil, retirá-lo da condição de suposta amorfia e forjar sua identidade. Os múltiplos enfoques e os distintos objetos de pesquisa tomados para compreender os elos históricos entre a escola e a construção do Brasil, contudo, não trataram ainda com a devida consistência do construto algo obscuro chamado região, o que faz com que a chamada questão regional se constitua um dos grandes desafios a serem enfrentados pelos historiadores da educação. Considerando a necessidade de atentar-se ao que vai sendo produzido num contexto de crescimento da produção do campo (Nunes, 2007), é preciso entender como os pesquisadores têm lidado com esta questão.
RUBIA-MAR NUNES PINTO é doutora em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: [email protected]
O núcleo “Branco Tema” refere-se termo empregado pelo sociólogo brasileiro Guerreiro Ramos no seu livro “Patologia Social do Negro Brasileiro (1955) e traz obras que parodiam a categoria “negro-tema”, cunhada academicamente por muitos anos, e questionam a suposta “neutralidade” da branquitude. Aqui encontramos obras como “A dama de branco” de Arthur Timótheo da Costa – um dos precursores do Modernismo, mas que não esteve na Semana de Arte Moderna de 1922 – e o irônico vídeo “Arrastão de Loiros” de Daniel Lima. Mas este é propositalmente o menor núcleo da exposição: “É quase como se afirmassemos: ‘temos muita coisa para falar, não vamos ficar discutindo isso, mas queremos mostrar que a gente também faz isso’.”, desenvolve Simões.
Tendo como ponto de partida o pensamento da historiadora e ativista pelos direitos humanos de negros e mulheres brasileira, Beatriz Nascimento, o núcleo “Romper” reúne artistas que, em suas produções, interrogam narrativas da história canônica em suas tentativas de exclusão daqueles que formam a maioria deste lugar assimétrico nomeado Brasil. Aqui, Rosana Paulino apresenta obras da série Geometria à Brasileira, que questiona o olhar estrangeiro dos viajantes que percorreram o Brasil durante o século XIX.
Do discurso emana a ideia de que a revista tinha como uma de suas finalidades qualificar o professorado goiano nos ditames da modernidade pedagógica e, assim, prepará-lo para a autoria. A partir do início de 1942, Vasco dos Reis ocuparia a imprensa local dirigindo convites expressos para a participação no Congresso de Educação. Em 15 de fevereiro de 1942, o Correio Oficial do Estado de Goiaz (p. 1, grifos meus) publicou um destes convites em sua primeira página:
A política orçamentária que privilegiou Goiânia atingia, sobretudo, o interior do estado, inclusive no que diz respeito à construção e instalação de escolas. No caso da Diretoria de Instrução Pública, o montante de recursos a ela destinados sofreu redução significativa a partir de 1939, mas a análise dos orçamentos estaduais no período revela que as escolas de Goiânia não foram atingidas pelos cortes. Ao contrário, elas tinham previsão de orçamento individualizado e seus professores e professoras recebiam salários maiores que aqueles pagos aos docentes do interior. O governo estadual contou com o apoio dos municípios para expandir a rede de escolas primárias e com a Igreja Católica para a expansão do ensino secundário. Ludovico geralmente comparecia à inauguração dos prédios escolares construídos - ora pelos municípios, ora pela Igreja, ora ainda pela parceria entre estes dois agentes - e procurava explicitar a lógica que guiava a política orçamentária estadual:
Vale ressaltar a importância desse acontecimento em uma instituição como o Sesc, que além de alcançar diversas regiões deste país continental, entende e aplica acessibilidade como um projeto amplo, investindo na produção de conhecimento, na oferta de ingressos gratuitos, em localizações de fácil chegada, entre outras iniciativas únicas. O Sesc consegue oferecer uma exposição em nível institucional, como nenhum museu ou galeria. E mais: com a abertura de Dos Brasis no Sesc Belenzinho, somarão-se três unidades do Sesc na capital paulista dedicadas exclusivamente à obras de artistas negros (incluindo Bom Retiro com “Karingana – Presenças Negras no Livro para as Infâncias” e Pinheiros com “Retratistas do Morro”), o que demonstra que o posicionamento afirmativo constante de visibilidade da instituição para com as produções afro-brasileiras.
Voltando-se para a invenção discursiva do Brasil, o artigo aborda a interpretação do país como nação cindida por uma dualidade e alinha representações do sertão no pensamento social brasileiro como chaves de leitura possíveis para pesquisar a história da educação nacional. Na expectativa de dar a ver um momento ímpar dos efeitos da interpretação dualística do Brasil na construção do estado de Goiás como região moderna e integrada à nação, o texto apresenta também aspectos dos preparativos para a realização do VIII Congresso Brasileiro de Educação (1942) em Goiânia/Goiás. A referência teórica advém de estudos empenhados em compreender a construção da interpretação do Brasil como cisão e a refazer os sertões imaginados por certa elite intelectual brasileira.
A região aparece como um dado prévio, como um recorte espacial naturalizado, a-histórico, como um referente identitário que existiria per si, ora como um recorte dado pela natureza, ora como um recorte político-administrativo, ora como um recorte cultural, mas que parece não ser fruto de um dado processo histórico. A história ocorreria na região, mas não existiria história da região. A história da região seria o que teria acontecido no interior de seus limites, não a história da constituição destes limites. A história regional seria aquela que aconteceria no interior das fronteiras regionais, não a história dos acontecimentos que produziram essas dadas fronteiras regionais.