Ao assistir a filmes ou séries, é possível que você já tenha se deparado com a representação de um procedimento chamado lobotomia. Esse é um procedimento cirúrgico cerebral angustiante, em que uma ferramenta longa e pontiaguda, juntamente com um martelo, é usada para realizar uma intervenção no cérebro. A palavra lobotomia tem origem no grego, sendo formada pela junção de λοβός [cérebro] e τομή [cortar], e significa literalmente "secção cerebral". Mas, afinal, o que é exatamente a lobotomia e para o que ela serve do ponto de vista de saúde?
A lobotomia deixou um legado controverso na história da psiquiatria. Embora tenha sido considerada uma inovação revolucionária no seu tempo, a técnica acabou sendo associada a danos cerebrais irreversíveis e a uma abordagem desumana no tratamento de transtornos mentais.
No Brasil, foi feita apenas uma tentativa de intervenção deste tipo, em 22 pacientes, todas mulheres, sendo que 17 delas já haviam passado pela técnica tradicional de Freeman e outros tratamentos. Os resultados não foram satisfatórios, por isso esta técnica foi abandonada. Apenas dois casos de esquizofrenia crônica teriam apresentado melhora.
A lobotomia ganhou popularidade nas décadas de 1940 e 1950, especialmente nos Estados Unidos. Nesse período, a técnica foi amplamente divulgada como uma solução para transtornos mentais, sendo considerada uma alternativa aos tratamentos convencionais, como terapia e medicamentos.
Devido aos resultados positivos que alcançou na Itália, a abordagem de Basaglia passou a ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir de 1973. A posição da OMS tornou o debate mundial. Atualmente, as operações psicocirúrgicas ainda existem, mas são realizadas raramente. A remoção de áreas cerebrais específicas é reservada para o tratamento de pacientes para os quais todos os outros tratamentos falharam.
Com o tempo, ficou cada vez mais claro que a cirurgia gerava efeitos negativos na personalidade do paciente, atrapalhando sua autonomia. Embora uma minoria de pessoas tenha notado uma melhora em seus sintomas após a lobotomia, a maioria ficava incapaz de se comunicar, andar ou se alimentar sozinha.
Outros cientistas, no século XIX, já haviam tentado remover sintomas psicopatológicos através de cirurgias cerebrais. No entanto, foram estes neurologistas americanos e portugueses quem conseguiram popularizar e difundir técnicas neurocirúrgicas para doentes mentais.
Freeman e Moniz, no entanto, almejaram dar a palavra final sobre as doenças mentais, acreditando estarem um passo à frente de Broca e dos estudos frenológicos e cada vez mais próximos de desvendarem os mistérios da sede anímica humana, os lobos frontais.
Lobotomy and leucotomy were used in Brazilian mental institutions from 1936 to 1956. Also called psycho-surgeries, they were operations that separated the right and left frontal lobes and pre-frontal lobes from the rest of the brains, aiming at modifying behavior or curing mental diseases. The technique, created by the Portuguese neurologist Egas Moniz in 1935 and developed by Walter Freeman from the United States, arrived in Brazil through the hands of Aloysio Mattos Pimenta, neurologist from Hospital Psiquiátrico Juquery in São Paulo. Soon, many doctors followed suit. These procedures were used on more than a thousand in-patients aiming at not only healing results, but also the technical improvement of the surgical technique, since preliminary experiments with animals were quite rare at the time. In Brazil, the technique was used until 1956, when it was considered as going against the 1947 Nuremberg Code, whose objective was to detain and regulate the medical experiments with human beings made during the Second World War.
Passado algum tempo, porém, Gage começou a ter comportamentos estranhos e uma radical mudança de personalidade. Tornou-se anti-social, agressivo e sem o menor senso moral, enfim, ficou irreconhecível pela família e amigos. Viveu neste estado por mais 13 anos depois do acidente.
Falamos aqui em abandono das técnicas psicocirúrgicas rudimentares e de alta periculosidade. Atualmente existem cirurgias neurológicas destinadas ao tratamento de psicopatologias, porém, a indicação é rara. O desenvolvimento dos métodos estereotáxicos em neurocirurgia possibilitou aumentar a margem de segurança consideravelmente, tanto do ponto de vista curativo quanto dos efeitos colaterais. Já é possível utilizar feixes de radiação ionizante para se atingir qualquer ponto do encéfalo com extrema precisão, sem abrir o crânio nem danificar tecidos cerebrais.
Freeman e Watts, criadores da lobotomia, basearam-se nos mesmos pressupostos, no entanto, a técnica cirúrgica que criaram era ligeiramente diferente e, diga-se, num primeiro momento, mais grotesca. A diferença estava na área do cérebro alvo da intervenção, no tipo de instrumentos utilizados, bem como na explicação para o mecanismo de ação terapêutica da cirurgia. Segundo Freeman e Watts, a cura dar-se-ia pelo desligamento das fibras do eixo lobo pré-frontal tálamo. Yahn (1948-49, p. 128) explica a idéia dos americanos:
"A geração de cirurgiões que me treinou tinha, eu não diria poderes divinos, mas uma autoridade enorme, ninguém os questionava ou interrogava, e posso pensar em algumas das pessoas que me treinaram que eram, acima de tudo, pessoas decentes, e foram corrompidos por este poder e se tornaram um pouco monstros como resultado", conclui.
Admitimos que a secção das vias nervosas intracerebrais interromperia a passagem dos influxos, forçando-os à busca de novas vias. Essa transposição de funções favoreceria um reajustamento dos mecanismos cerebrais, que se fariam no sentido predominante de se restabelecerem condições normais, com prejuízo dos anormais, preexistentes.
Sobretudo, a lobotomia foi um procedimento cirúrgico famoso da década de 1950. Tal procedimento é tão bizarroque se tornou, na maioria dos países, um verdadeiro fracasso da história da psiquiatria.
Não se sabe exatamente quantas lobotomias foram realizadas nos hospitais brasileiros, mas apenas nos relatos de pesquisa consultados excedem mil. A contagem exata é tarefa difícil, pois houve muitos casos em que pacientes foram submetidos a duas ou mais cirurgias, o que causa um descompasso entre o número de pessoas e o número de intervenções. Yahn et al. (1948-49, p. 126) admitem que trataram aproximadamente quatrocentos pacientes, com cerca de setecentas intervenções. Além disso, nem todas foram relatadas em pesquisas ou documentadas, o que dificulta ou impossibilita a localização de fontes históricas.
Estas observações, mesmo sem um critério metodológico, levaram os avaliadores a concluir que os resultados não se igualavam aos da literatura internacional, apesar de os médicos garantirem que aplicavam a técnica corretamente. O motivo de tal frustração não foi difícil de ser encontrado. No Brasil, o "material humano" sujeito às intervenções já estaria deveras "deteriorado" (Longo et alii, 1949, p. 130), isto é, com muito tempo de internação, sem vínculos sociais, com a saúde debilitada etc. A conclusão de que menos de 1/3 dos pacientes tinham melhoras significativas gerou um certo pssimismo entre os médicos brasileiros no final da década de 1940. Impossível saber quantas cirurgias foram realizadas nos hospitais brasileiros, mas apenas no Juquery, até 1949, foram cerca de setecentas, quase todas em mulheres (Yahn et alii, 1948-49). Nas estatísticas dificilmente eram contabilizados os casos "piorados", isto é, que ficaram com seqüelas irreversíveis, mesmo porque ninguém se interessava por métodos de avaliação psicológica mais eficientes que a simples e rápida observação diária.
No início dos anos 1960, cerca de 500 lobotomias eram realizadas a cada ano no Reino Unido, contra 1,5 mil em seu pico. Em meados da década de 1970, esse número caiu para cerca de 100-150 por ano, quase sempre envolvendo cortes menores e metas mais precisas.
Um dos fatores que faziam as lobotomias parecerem uma pílula mágica para tantos problemas era a sua simplicidade. Para fazer a cirurgia, o médico precisaria de apenas alguns instrumentos, dependendo do tipo de lobotomia a ser executado.
Yahn (1946) diz preferir o termo leucotomia. "Lobotomia" não especifica que a intervenção é sempre na substância branca e "psicocirurgia" leva a pensar no absurdo de uma cirurgia no psiquismo, quando na verdade é no cérebro, com o intuito de obter um efeito secundário sobre o psíquico.
Atentos aos novos conhecimentos científicos e técnicos produzidos na Europa e nos Estados Unidos, os médicos brasileiros logo começaram a utilizar a psicocirurgia de Egas Moniz em instituições asilares. Em 1936, ano em que Freeman e Moniz descreveram seus experimentos, a leucotomia passou a ser aplicada em internos do hospital do Juquery, em São Paulo. Neste, que foi o maior manicômio da América Latina, Aloysio Mattos Pimenta operou os dois primeiros pacientes em agosto de 1936. Mais tarde muitos outros médicos foram treinados e passaram a realizar lobotomias e leucotomias em instituições brasileiras.
Houve casos em que alguns operados tornaram-se epilépticos depois de algum tempo. Dos 54 avaliados, 39 tiveram alta e voltaram para a família. Registraram ainda uma morte (1,8%), fato que passou praticamente despercebido. Dos outros 16 não se tem qualquer notícia sobre o desenvolvimento pós-operatório.
Pautada por diferentes padrões éticos definidos cultural e historicamente, a utilização de seres humanos em pesquisas vem ocorrendo há séculos pelo mundo afora. A falta de um critério consensual e de vigilância em âmbito global permitiu que durante a Segunda Guerra Mundial muitos abusos fossem cometidos contra povos e indivíduos considerados inferiores, em nome de um suposto conhecimento científico. Com o final da guerra, os protagonistas, muitos deles médicos, foram julgados e condenados por crimes contra a humanidade por um tribunal internacional formado na cidade de Nuremberg em 1946. Este tribunal, no entanto, não se limitou a julgar criminosos de guerra. Entre suas ações, elaborou um código de ética para pesquisas com seres humanos que ficou conhecido como Código de Nuremberg. Publicado em 1947, o documento era composto de dez itens, reproduzidos integralmente a seguir:
O abandono repentino da prática e as críticas dos próprios cirurgiões indicam que os médicos estavam aguardando novas alternativas de tratamento das doenças mentais menos invasivas e mais eficientes. Segundo Carpenter (1978), um importante fator para a desistência da leucotomia e lobotomia foi a introdução dos psicofármacos nos tratamentos psiquiátricos, os quais permitem melhores prognósticos e menores riscos.